31.10.08
30.10.08
COMO conseguiu ter tal intensidade criativa nesse período, entre os 20 e os 30 anos, uma idade ainda muito verde?
É preciso então sofrer para ser criativo?
[excertos da entrevista do escritor Gonçalo M. Tavares ao Sol de 25/10/08]
Uma coisa que fiz desde cedo foi ler. Acho que li bem. Li bem no sentido de ter começado logo de acordo com o critério de ler livros que tivessem atravessado várias gerações. Se um autor resistiu a três ou quatro gerações de leitores é sinal de que o livro tem força. Fui sempre lendo mas o tempo de leitura foi aumentando até quase dominar parte da minha vida. Acho que é importante quando se é novo ler os clássicos - e quando digo clássicos não estou a referir-me aos gregos. A Montanha Mágica é um clássico, Dostóievski é um clássico. Curiosamente, não me lembro de ter uma fase de leitura muito fútil. Mas é evidente que leio agora melhor do que lia antes. O Nietzche tem uma frase muito interessante sobre os gregos, não se aplica a mim, que diz 'o que este povo deve ter sofrido para conseguir ser tão sábio'.
É preciso então sofrer para ser criativo?
Não, não poria as coisas assim. Às vezes dá a ideia errada que só tendo muitas experiências pessoais e passando por uma série de coisas é que se pode escrever. Aliás, o lugar comum de se dizer 'a minha vida não dava um livro', acho que é errado. Há pessoas que têm uma experiência de vida fabulosa, que já passaram por tudo e mais alguma coisa, e não conseguem escrever uma linha interessante. Pelo contrário, há gente como Fernando Pessoa, que teve a vida aparentemente mais entediante do mundo, mas tinha uma cabeça a funcionar: Ou seja, não tem nada a ver com as experiências ou com o sofrimento. Tem a ver como cada um de nós absorve as suas experiências. Para uma pessoa, pode ser necessário ir ao Tibete para absorver uma experiência, enquanto outra pode absorver igual intensidade estando num café a olhar para um casal que está a discutir - e entender tanto o ser humano como aquele que foi ao Tibete.
[excertos da entrevista do escritor Gonçalo M. Tavares ao Sol de 25/10/08]
Etiquetas: literatura
29.10.08
“NO dia seguinte entrámos no território de Daichine e, novamente, como nas margens do Salouen, fui hóspede de numerosas pessoas de aspectos diferentes. Pena não poder contar uma a uma todas as minhas etapas! Uma noite, não nos fez um aldeão astuto, com todas as aparências da mais cordial honestidade, dormir num quarto assombrado, onde demónios esfomeados se tinham, diziam, instalado? Isto tudo só para ver se sairíamos dali vivos de manhã e se ele podia arriscar voltar a viver ali.”
“Os agrupamentos religiosos do Tibete formam pequenos Estados no Estado, de que são quase inteiramente independentes. Todos possuem terras, rebanhos e, em geral, traficam de uma maneira ou de outra. Os grandes gompas reinam sobre uma extensão considerável de território povoado por rendeiros cuja condição é mais ou menos semelhante à dos servos da Europa da Idade Média. (...) Um grande mosteiro tibetano é uma verdadeira cidade, formada por uma rede de ruas e corredores, de jardins e praças. Templos em maior ou em menor número, as salas das assembleias dos diversos colégios e os palácios dos dignitários erguem, por cima das habitações vulgares, os seus telhados dourados e os seus terraços ornamentados de bandeiras e ornamentos diversos.”
“É certo que eu já sonhara percorrer o misterioso país de Po, assunto de tantas lendas. Era mesmo uma ideia já antiga no meu espírito e já a tinha discutido longamente com Yongden, durante vários anos, quando morávamos no mosteiro de Koum Boum. Todavia, as vagas informações colhidas sobre essa região, junto de mercadores do Tibete Central ou de pessoas do Kham, não deixavam de ser um pouco inquietantes. Muitos faziam crer que os Popas eram canibais. Outros mais moderados reservavam a sua opinião sobre este ponto, mas todos estavam de acordo para afirmar que fosse quem fosse que não pertencesse às tribos popas, e se aventurasse nas florestas habitadas por estes, nunca mais aparecia.”
“Os lamaistas, como a grande maioria dos budistas, são adeptos da cremação, mas faltando a madeira na maior parte do território tibetano, a cremação não deixa de ser uma prática difícil. Quando se trata de eclesiásticos de alto calibre, obvia-se a falta de combustível trocando a fogueira por um enorme caldeirão cheio de manteiga, em que o corpo do defunto é consumido. Quanto à maioria dos tibetanos, os seus cadáveres são geralmente transportados para as montanhas e são frequentemente desmembrados antes de serem abandonados aos abutres e outros animais selvagens.”
“Vamos finalmente poder dormir. Na divisão onde nos permitem, agora, entrar, há, sobre a terra batida, um pedaço de saca velha do tamanho de uma toalha, é o leito que me é reservado. Graças ao seu carácter clerical, Yongden é melhor tratado. Poderá usar um tapete esfarrapado que o preservará até aos joelhos, aproximadamente, do contacto com a terra nua. Quanto às pernas, não nos preocupamos com elas. As gentinhas do Tibete dormem dobradas sobre si próprias, quase numa bola, como os cães, e não possuem tapete ou almofadas do comprimento do seu corpo. Dormir todo esticado é considerado um luxo que só pertence às pessoas de qualidade.”
[As citações acima reproduzidas foram retiradas do livro “Viagem ao Tibete”, de Alexandra David-Néel, traduzido por Monique Rutler e editado pelo “Círculo de Leitores”, em 1998]
Nascida em Paris (1868), Alexandra David-Néel ficará para a história como a primeira mulher europeia a alcançar a Lhasa, contra tudo e contra todos. Na fase inicial da sua vida aventurosa estudou canto e tornou-se numa cantora de ópera, tendo feito diversas digressões. Desenvolveu um interesse pela Ásia e fez longas viagens à Índia e ao Sri Lanka, onde aprendeu o sânscrito e estudou budismo. Na sequência dessas experiências, retirou-se para os Himalaias, onde levou uma vida de eremita entre 1914 e 1916. Depois fez a sua célebre viagem à capital do Tibete, disfarçada de peregrina. Voltou ao país em 1934 e ali viveu durante dez anos, antes de ter que fugir do avanço das tropas japonesas. A sua carreira de escritora foi dedicada à descrição das suas viagens pela Ásia e também à difusão do budismo no ocidente, através de títulos como “O Modernismo Budista”, ou “O Budismo de Buda”. Morreu quando já tinha ultrapassado os 100 anos de idade, em 1969.
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28.10.08
O caminho proibido até Lhasa
«O epíteto de viajante incansável aplica-se na perfeição a Alexandra David-Néel, a primeira mulher ocidental a chegar à capital do Tibete, Lhasa, percorrendo durante oito meses regiões inexploradas sob o disfarce de peregrina. A francesa era uma estudiosa da cultura tibetana e a sua vontade de levar a cabo a expedição impôs-se quando, após uma prolongada estada entre os tibetanos dos Himalaias, entrou no país. “Senti que, por detrás das montanhas cobertas de florestas que se erguiam entre mim e os longínquos cumes nevados que se elevavam acima delas, existia realmente um país diferente de qualquer outro”, recorda em “Viagem ao Tibete”.
Outra forte motivação de Alexandra David-Néel era o desejo de ultrapassar os obstáculos criados pelos colonialistas britânicos, que, na prática, impediam a visita ao coração do Tibete. Nem sempre tinha sido assim: no século XVIII missionários católicos e até alguns laicos visitaram Lhasa, ali permanecendo durante bastante tempo. Mas, no início do séc. XX, “um punhado de políticos ocidentais tentava intimidar os exploradores, erguendo barreiras à volta de uma região que legalmente não lhes pertencia e fazendo com que só os seus agentes pudessem percorrer livremente o país por eles denominado de proibido”.
Após cerca de 14 anos de viagens pela Ásia e quatro tentativas falhadas de aceder à zona proibida do Tibete, a autora era já uma profunda conhecedora do budismo e da língua tibetana quando empreendeu a viagem que a levaria a Lhasa, em 1916. Entrou no país através das províncias controladas pela China, únicas onde os estrangeiros eram tolerados, acompanhada por um jovem lama (título honorífico que designa um religioso budista) chamado Yongden. Até se encontrarem nas rotas de peregrinação, caminharam sempre durante a noite e permaneceram escondidos durante o dia, por forma a não lhes descobrirem o rasto. David-Néel assumiu a identidade de velha mãe de Yongden, vestida com o traje local, tendo tido o cuidado de pintar o cabelo com tinta da china e esfregar regularmente a cara com fuligem, por forma a ficar com uma tez mais escura, próxima da tibetana.
O equipamento que levavam reduzia-se ao mínimo indispensável: “Uma tenda minúscula de algodão fino, estacas de ferro, cordas, um grande pedaço de couro não curtido de proveniência tibetana para substituir as solas das botas, um quadrado de tela espessa, para atenuar a humidade ou o frio do solo onde iríamos dormir, e um sabre curto de múltiplas utilizações e objecto indispensável de todo o viajante tibetano (no nosso caso, servia, sobretudo, para rachar lenha), constituíam o único material pesado que conservámos”. Para além disso, levavam escondidos debaixo das roupas relógios, um termómetro, bússolas, mapas, dinheiro, um pequeno revólver e outros objectos que não deviam ser vistos a qualquer custo, sob pena de os denunciarem como estrangeiros. Transportavam ainda alguns víveres e utensílios de cozinha próprios para uma alimentação frugal, à base de ”tsampa” (farinha feita com cevada previamente torrada, que era o alimento principal do país), comida seca misturada com manteiga e uma sopa ocasional.
Alcançada a estrada das peregrinações, o disfarce de “ardjopa” (peregrino que viaja a pé, carregando a sua bagagem) era ideal, pois permitia circular sem atrair a atenção, no meio dos grupos de devotos. “Estes últimos, provenientes muitas vezes de regiões longínquas e pertencendo a tribos diferentes, apresentam uma grande diversidade de tipos: os seus dialectos, bem como os penteados e os trajes das peregrinas, são extremamente variados. Tal circunstância fazia-me esperar que o que quer que a minha fisionomia ou o meu sotaque tivesse de pouco ortodoxo, passaria despercebido no meio daquela gente”, comenta a escritora. No entanto, ultrapassado o desfiladeiro de Dokar, que marcava a fronteira do Tibete proibido, muitas dificuldades e surpresas esperavam os dois aventureiros.
Povo supersticioso
O fascínio de “Viagem ao Tibete” está no relato de um país remoto, isolado e quase parado no tempo. O Tibete do início do século passado era ainda uma sociedade tribal, não formando uma nação com um governo único. Para lá das províncias próximas de Lhasa, as tribos que ocupavam o território viviam independentes, lideradas pelo chefes locais, que se intitulavam como “gyalpos” (reis). O Dalai-Lama era considerado por todos uma personalidade divina, mas muitos dos chefes tribais não acediam à sua pretensão temporal de lhes cobrar impostos.
Os tibetanos eram muito dados a superstições e crenças mágicas, algo que perpassa por todo o livro. Sempre que se cruzava com peregrinos ou aldeões, Yongden era solicitado para predizer o futuro a respeito de assuntos que os preocupavam. Por exemplo, uma mãe insistia em saber o nome do demónio que tinha causado o inchaço nos pés da sua filha, nunca lhe passando pela cabeça que isso se devesse às extenuantes caminhadas que tinham feito durante a peregrinação. Outros perguntavam se David-Néel não era uma “pamo” (uma mulher possuída por deuses, demónios, ou pelos espíritos dos mortos que comunicam pela sua boca) e falavam em “nagspas” (magos muito temidos que têm o poder de mandar os demónios e podem matar qualquer ser, humano ou não, à distância) ou noutras criaturas fantásticas. Quando requisitavam os seus supostos dons de prestidigitador, Yongden “não deixava de intercalar entre os ritos habituais alguns discursos muito simples sobre a verdadeira doutrina budista, esforçando-se assim por sacudir um pouco as crenças supersticiosas profundamente enraizadas no espírito dos seus auditores e acrescentando, sempre que o consultavam a respeito de doenças, bons conselhos no tocante à limpeza e higiene”.
A descrição da beleza paisagística do Tibete é também constante ao longo de toda a obra. Por exemplo, no vale do Nou tchou, “ciprestes alinhavam-se em avenida mística, fechada, ao longe, pela linha turquesa do rio e grandes abetos solitários desenhavam a sua silhueta imponente sobre uma retaguarda de folhagem natural cujo dourado imitava um fundo de mosaico bizantino”. “Um ar de mistério gracioso envolvia todas as coisas”, observa a autora. “Parecia-me andar entre as imagens de um velho livro de lendas e não teria ficado espantada se tivesse surpreendido um conciliábulo de duendes sentados sobre os raios solares, ou atingido o palácio da Bela Adormecida.”
Expedição antropológica
A viagem da francesa e do lama revestiu-se de um carácter antropológico, pois o facto de se apresentarem como pobres peregrinos abria-lhes as portas das casas dos camponeses, permitindo “observar inúmeros pormenores inacessíveis aos viajantes ocidentais e mesmo aos tibetanos das classes superiores. “Iria agora experimentar por mim mesma uma quantidade de coisas que até lá só observara à distância. Sentar-me-ia no chão rugoso da cozinha sobre o qual eram literalmente derramados, todos os dias, a sopa gordurenta, o chá com manteiga e os escarros de uma família numerosa. Excelentes mulheres, cheias de boas intenções, estender-me-iam os dejectos de um pedaço de carne cortado sobre o pano do seu vestido que, durante anos, servira de pano de cozinha e de lenço. Ia ter de comer à maneira dos pobres desgraçados, pondo dentro da sopa e do chá os meus dedos não lavados, para lá misturar a tsampa, e, ainda, aceitar numerosas coisas de que só lembrar-me delas dava-me náuseas”, resume Alexandra David-Néel.
Embora o tentassem evitar a todo o custo, várias vezes se cruzaram na estrada com funcionários que os prenderiam se tivessem suspeitas em relação à sua identidade. Foi o caso de um nobre vindo de Lhasa e rodeado por um séquito de soldados e criados, que, como era habitual, quis saber quem eram e de onde vinham os peregrinos. “E quando tudo foi dito e redito, o “pönpo” ficou estático, continuando a olhar para nós em silêncio, imitado por todo o seu séquito”, conta a autora. “Com a voz chorosa dos mendigos tibetanos, um pouco abafada por aquilo que devia parecer um sentimento de reverência, implorei uma esmola: ‘Nobre senhor, faça a caridade, por favor!’ O barulho interrompeu a concentração dos pensamentos do grupo. Pareceu-me sentir um descansar físico. Os tibetanos tinham modificado os seus olhares investigadores; alguns riam em voz alta. O simpático funcionário tirou da sua bolsa uma moeda e estendeu-a ao meu companheiro: ‘Mãe!’ – exclamou este, fingindo uma alegria extrema – ‘olhe o que nos dá o pönpo.’ Manifestei o meu agradecimento de uma maneira condizente com a personalidade que adoptara. (...) Para terminar a comédia em verdadeiro estilo tibetano, ofereci-lhe – com que alegria secreta – o mais respeitoso dos cumprimentos do país! Deitei-lhe a língua de fora.”
Para além dos obstáculos humanos, ao longo do caminho surgiram várias barreiras físicas, pois muitas das estradas do Tibete não passavam de caminhos de cabras e as pontes eram substituídas por um cabo ligado às duas margens. Para atravessar estas “pontes” de solidez incerta (os acidentes sucediam com frequência), as pessoas, mercadorias ou animais eram suspensos no cabo por um gancho, sendo depois necessário contar com a ajuda de passadores profissionais. David-Néel recorda uma dessas passagens, que remete o leitor moderno para as aventuras de Indiana Jones: “Quando veio a minha vez, fui amarrada, com uma jovem, ao gancho e um empurrão vigoroso mandou-nos, arriadas com a rapidez de um raio, até ao centro do cabo, onde ficámos a baloiçar como duas miseráveis marionetas. Os homens puseram-se então a trabalhar puxando a corda segura no nosso gancho.” Há também descrições de passagens problemáticas por zonas de alta montanha, onde chegaram a passar fome e ficou evidente “a desproporção esmagadora que existia entre a fantástica região dos altos cumes e os débeis viajantes que ousaram aventurar-se neles, sozinhos, em pleno Inverno.”
Após quatro meses de marcha, numa manhã surgiu no horizonte o Potala, residência do Dalai Lama. Era sinal de que tinham chegado a Lhasa, cidade “rodeada por imponentes cordilheiras áridas, que o crepúsculo tinge com colorações maravilhosas”. O perfil da capital era marcado pelo Potala, situado no topo de uma montanha: “Pedestais de construções maciças elevam nos ares um palácio vermelho com telhados de ouro”, relata a escritora, que, antes de partir para visitar outras regiões do país, deambulou pela “Roma tibetana” durante cerca de dois meses, observando a época festiva de passagem do ano, quando cada dia trazia um novo espectáculo, religioso ou profano. De todos eles, destaca a grande procissão chamada “sér pang”: “Nunca, no decorrer das minhas longas viagens, contemplei espectáculo mais maravilhoso. (...) Do sítio onde estava sentada, dominava de alto a sér pang, a multidão multicolor dos tibetanos nos seus fatos de festa e, mais adiante, Lhasa estendida na planície. (...) O sol maravilhoso da Ásia Central iluminava a paisagem, intensificava as cores, fazia irradiar montanhas esbranquiçadas no horizonte. Tudo vibrava, repleto de luz, parecendo prestes a transformar-se em chamas... Um espectáculo inolvidável que, só por si, me teria pago das canseiras que eu suportara para contemplá-lo.»
Texto da minha autoria, inserido no suplemento Fugas (Público), tendo como referência o livro “Viagem ao Tibete”, de Alexandra David-Néel, traduzido por Monique Rutler e editado em Portugal pelo “Círculo de Leitores”, em 1998.
Outra forte motivação de Alexandra David-Néel era o desejo de ultrapassar os obstáculos criados pelos colonialistas britânicos, que, na prática, impediam a visita ao coração do Tibete. Nem sempre tinha sido assim: no século XVIII missionários católicos e até alguns laicos visitaram Lhasa, ali permanecendo durante bastante tempo. Mas, no início do séc. XX, “um punhado de políticos ocidentais tentava intimidar os exploradores, erguendo barreiras à volta de uma região que legalmente não lhes pertencia e fazendo com que só os seus agentes pudessem percorrer livremente o país por eles denominado de proibido”.
Após cerca de 14 anos de viagens pela Ásia e quatro tentativas falhadas de aceder à zona proibida do Tibete, a autora era já uma profunda conhecedora do budismo e da língua tibetana quando empreendeu a viagem que a levaria a Lhasa, em 1916. Entrou no país através das províncias controladas pela China, únicas onde os estrangeiros eram tolerados, acompanhada por um jovem lama (título honorífico que designa um religioso budista) chamado Yongden. Até se encontrarem nas rotas de peregrinação, caminharam sempre durante a noite e permaneceram escondidos durante o dia, por forma a não lhes descobrirem o rasto. David-Néel assumiu a identidade de velha mãe de Yongden, vestida com o traje local, tendo tido o cuidado de pintar o cabelo com tinta da china e esfregar regularmente a cara com fuligem, por forma a ficar com uma tez mais escura, próxima da tibetana.
O equipamento que levavam reduzia-se ao mínimo indispensável: “Uma tenda minúscula de algodão fino, estacas de ferro, cordas, um grande pedaço de couro não curtido de proveniência tibetana para substituir as solas das botas, um quadrado de tela espessa, para atenuar a humidade ou o frio do solo onde iríamos dormir, e um sabre curto de múltiplas utilizações e objecto indispensável de todo o viajante tibetano (no nosso caso, servia, sobretudo, para rachar lenha), constituíam o único material pesado que conservámos”. Para além disso, levavam escondidos debaixo das roupas relógios, um termómetro, bússolas, mapas, dinheiro, um pequeno revólver e outros objectos que não deviam ser vistos a qualquer custo, sob pena de os denunciarem como estrangeiros. Transportavam ainda alguns víveres e utensílios de cozinha próprios para uma alimentação frugal, à base de ”tsampa” (farinha feita com cevada previamente torrada, que era o alimento principal do país), comida seca misturada com manteiga e uma sopa ocasional.
Alcançada a estrada das peregrinações, o disfarce de “ardjopa” (peregrino que viaja a pé, carregando a sua bagagem) era ideal, pois permitia circular sem atrair a atenção, no meio dos grupos de devotos. “Estes últimos, provenientes muitas vezes de regiões longínquas e pertencendo a tribos diferentes, apresentam uma grande diversidade de tipos: os seus dialectos, bem como os penteados e os trajes das peregrinas, são extremamente variados. Tal circunstância fazia-me esperar que o que quer que a minha fisionomia ou o meu sotaque tivesse de pouco ortodoxo, passaria despercebido no meio daquela gente”, comenta a escritora. No entanto, ultrapassado o desfiladeiro de Dokar, que marcava a fronteira do Tibete proibido, muitas dificuldades e surpresas esperavam os dois aventureiros.
Povo supersticioso
O fascínio de “Viagem ao Tibete” está no relato de um país remoto, isolado e quase parado no tempo. O Tibete do início do século passado era ainda uma sociedade tribal, não formando uma nação com um governo único. Para lá das províncias próximas de Lhasa, as tribos que ocupavam o território viviam independentes, lideradas pelo chefes locais, que se intitulavam como “gyalpos” (reis). O Dalai-Lama era considerado por todos uma personalidade divina, mas muitos dos chefes tribais não acediam à sua pretensão temporal de lhes cobrar impostos.
Os tibetanos eram muito dados a superstições e crenças mágicas, algo que perpassa por todo o livro. Sempre que se cruzava com peregrinos ou aldeões, Yongden era solicitado para predizer o futuro a respeito de assuntos que os preocupavam. Por exemplo, uma mãe insistia em saber o nome do demónio que tinha causado o inchaço nos pés da sua filha, nunca lhe passando pela cabeça que isso se devesse às extenuantes caminhadas que tinham feito durante a peregrinação. Outros perguntavam se David-Néel não era uma “pamo” (uma mulher possuída por deuses, demónios, ou pelos espíritos dos mortos que comunicam pela sua boca) e falavam em “nagspas” (magos muito temidos que têm o poder de mandar os demónios e podem matar qualquer ser, humano ou não, à distância) ou noutras criaturas fantásticas. Quando requisitavam os seus supostos dons de prestidigitador, Yongden “não deixava de intercalar entre os ritos habituais alguns discursos muito simples sobre a verdadeira doutrina budista, esforçando-se assim por sacudir um pouco as crenças supersticiosas profundamente enraizadas no espírito dos seus auditores e acrescentando, sempre que o consultavam a respeito de doenças, bons conselhos no tocante à limpeza e higiene”.
A descrição da beleza paisagística do Tibete é também constante ao longo de toda a obra. Por exemplo, no vale do Nou tchou, “ciprestes alinhavam-se em avenida mística, fechada, ao longe, pela linha turquesa do rio e grandes abetos solitários desenhavam a sua silhueta imponente sobre uma retaguarda de folhagem natural cujo dourado imitava um fundo de mosaico bizantino”. “Um ar de mistério gracioso envolvia todas as coisas”, observa a autora. “Parecia-me andar entre as imagens de um velho livro de lendas e não teria ficado espantada se tivesse surpreendido um conciliábulo de duendes sentados sobre os raios solares, ou atingido o palácio da Bela Adormecida.”
Expedição antropológica
A viagem da francesa e do lama revestiu-se de um carácter antropológico, pois o facto de se apresentarem como pobres peregrinos abria-lhes as portas das casas dos camponeses, permitindo “observar inúmeros pormenores inacessíveis aos viajantes ocidentais e mesmo aos tibetanos das classes superiores. “Iria agora experimentar por mim mesma uma quantidade de coisas que até lá só observara à distância. Sentar-me-ia no chão rugoso da cozinha sobre o qual eram literalmente derramados, todos os dias, a sopa gordurenta, o chá com manteiga e os escarros de uma família numerosa. Excelentes mulheres, cheias de boas intenções, estender-me-iam os dejectos de um pedaço de carne cortado sobre o pano do seu vestido que, durante anos, servira de pano de cozinha e de lenço. Ia ter de comer à maneira dos pobres desgraçados, pondo dentro da sopa e do chá os meus dedos não lavados, para lá misturar a tsampa, e, ainda, aceitar numerosas coisas de que só lembrar-me delas dava-me náuseas”, resume Alexandra David-Néel.
Embora o tentassem evitar a todo o custo, várias vezes se cruzaram na estrada com funcionários que os prenderiam se tivessem suspeitas em relação à sua identidade. Foi o caso de um nobre vindo de Lhasa e rodeado por um séquito de soldados e criados, que, como era habitual, quis saber quem eram e de onde vinham os peregrinos. “E quando tudo foi dito e redito, o “pönpo” ficou estático, continuando a olhar para nós em silêncio, imitado por todo o seu séquito”, conta a autora. “Com a voz chorosa dos mendigos tibetanos, um pouco abafada por aquilo que devia parecer um sentimento de reverência, implorei uma esmola: ‘Nobre senhor, faça a caridade, por favor!’ O barulho interrompeu a concentração dos pensamentos do grupo. Pareceu-me sentir um descansar físico. Os tibetanos tinham modificado os seus olhares investigadores; alguns riam em voz alta. O simpático funcionário tirou da sua bolsa uma moeda e estendeu-a ao meu companheiro: ‘Mãe!’ – exclamou este, fingindo uma alegria extrema – ‘olhe o que nos dá o pönpo.’ Manifestei o meu agradecimento de uma maneira condizente com a personalidade que adoptara. (...) Para terminar a comédia em verdadeiro estilo tibetano, ofereci-lhe – com que alegria secreta – o mais respeitoso dos cumprimentos do país! Deitei-lhe a língua de fora.”
Para além dos obstáculos humanos, ao longo do caminho surgiram várias barreiras físicas, pois muitas das estradas do Tibete não passavam de caminhos de cabras e as pontes eram substituídas por um cabo ligado às duas margens. Para atravessar estas “pontes” de solidez incerta (os acidentes sucediam com frequência), as pessoas, mercadorias ou animais eram suspensos no cabo por um gancho, sendo depois necessário contar com a ajuda de passadores profissionais. David-Néel recorda uma dessas passagens, que remete o leitor moderno para as aventuras de Indiana Jones: “Quando veio a minha vez, fui amarrada, com uma jovem, ao gancho e um empurrão vigoroso mandou-nos, arriadas com a rapidez de um raio, até ao centro do cabo, onde ficámos a baloiçar como duas miseráveis marionetas. Os homens puseram-se então a trabalhar puxando a corda segura no nosso gancho.” Há também descrições de passagens problemáticas por zonas de alta montanha, onde chegaram a passar fome e ficou evidente “a desproporção esmagadora que existia entre a fantástica região dos altos cumes e os débeis viajantes que ousaram aventurar-se neles, sozinhos, em pleno Inverno.”
Após quatro meses de marcha, numa manhã surgiu no horizonte o Potala, residência do Dalai Lama. Era sinal de que tinham chegado a Lhasa, cidade “rodeada por imponentes cordilheiras áridas, que o crepúsculo tinge com colorações maravilhosas”. O perfil da capital era marcado pelo Potala, situado no topo de uma montanha: “Pedestais de construções maciças elevam nos ares um palácio vermelho com telhados de ouro”, relata a escritora, que, antes de partir para visitar outras regiões do país, deambulou pela “Roma tibetana” durante cerca de dois meses, observando a época festiva de passagem do ano, quando cada dia trazia um novo espectáculo, religioso ou profano. De todos eles, destaca a grande procissão chamada “sér pang”: “Nunca, no decorrer das minhas longas viagens, contemplei espectáculo mais maravilhoso. (...) Do sítio onde estava sentada, dominava de alto a sér pang, a multidão multicolor dos tibetanos nos seus fatos de festa e, mais adiante, Lhasa estendida na planície. (...) O sol maravilhoso da Ásia Central iluminava a paisagem, intensificava as cores, fazia irradiar montanhas esbranquiçadas no horizonte. Tudo vibrava, repleto de luz, parecendo prestes a transformar-se em chamas... Um espectáculo inolvidável que, só por si, me teria pago das canseiras que eu suportara para contemplá-lo.»
Texto da minha autoria, inserido no suplemento Fugas (Público), tendo como referência o livro “Viagem ao Tibete”, de Alexandra David-Néel, traduzido por Monique Rutler e editado em Portugal pelo “Círculo de Leitores”, em 1998.
Etiquetas: Jornalismo, Viagens
27.10.08
"PREVISIVELMENTE com a crise financeira internacional o Partido Comunista Português redescobriu que o 'socialismo' era uma 'alternativa necessária e possível' ao horror e à miséria em que o mundo vive hoje. Uma tese do próximo Congresso, o XVIII, vai reafirmar isso mesmo e, melhor ainda, explicar com a autoridade que lhe assiste as razões do colapso da URSS e das 'Repúblicas Populares de Leste'. Isto - que parece pouco e quase cómico (se não fosse trágico) - basta para demonstrar o atraso cumtural, político e económico do país. Não há na Europa nenhuma instituição remotamente parecida com o PCP e, no resto do mundo, só a China (não se percebe porquê), o Vietname, o Laos, Cuba e a Coreia do Norte merecem a aprovação da ortodoxia indígena.
A história passou, mas, significativamente, não passou por aqui. O PC está como estava em 1974. O colapso do 'socialismo real' não o diminuiu nem o fez tremer. A coisa, segundo o XVIII Congresso, foi um pequeno acidente de percurso: o resultado da 'traição dos altos responsáveis do partido e do Estado' (presumo que da URSS e não da Polónia ou da Checoslováquia); do 'abandono de posições de classe e de uma estreita ligação com os trabalhadores', da 'claudicação perante a chantagem do Ocidente', da 'penetração em profundidade da ideologia social-democarata', e 'da rejeição do heróico património dos comunistas'. Por outras palavras, excepto por meia dúzia de erros, que não afectavam nada de essencial ou, mais precisamente, nada de material, o sistema funcionava.
O PC não sabe, ou já se esqueceu, que desde 1970-71 o Ocidente subsidiava o 'socialismo real' em nome da estabilidade e da paz. Na véspera da catástrofe de 1988, as 'Repúblicas Populares', incluíndo a Jugoslávia e tirando a Roménia, deviam ao Ocidente 95,6 biliões de dólares (a preços da época); uma quantia colossal e sempre a crescer, com que financiavam o seu consumo interno. O problema é que, apesar dessa delirante estratégia, as populaões de Leste continuavam numa situação de atraso e de pobreza relativa. Ironicamente, a perenidade do PC também assenta no atraso e na pobreza relativa dos portugueses, que nenhuma 'modernizzação', 'reforma' ou subsídio da 'Europa' até agora conseguiu moderar ou eliminar. O PC não muda (ou não se extingue), porque a sociedade não muda, ou, pelo menos, não muda o suficiente. É um arcaísmo? Talvez. Como Portugal.
Vasco Pulido Valente, Público, 27/9/08
Etiquetas: Política
24.10.08
23.10.08
pensamento do dia
E lá andava ele ó tio ó tio à rasca a ver quem é que lhe pagava o mês de trabalho.
Portugal mirado de Espanha
"LISBOA, 21 sep (IPS) - Indicadores económicos y sociales periodicamente divulgados por la Unión Europea (UE) colocan a Portugal en niveles de pobreza e injusticia social inadmisibles para un país que integra desde 1986 el 'club de los ricos' del continente.
Pero el golpe de gracia lo dio la evaluación de la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económicos (OCDE): en los próximos años Portugal se distanciará aún más de los países avanzados.
La productividad más baja de la UE , la escasa innovación y vitalidad del sector empresarial, educación y formación profesional deficientes, mal uso de fondos públicos, con gastos excesivos y resultados magros son los datos señalados por el informe anual sobre Portugal de la OCDE, que reúne a 30 países industriales.
A diferencia de España, Grecia e Irlanda (que hicieron también parte del 'grupo de los pobres' de la UE ), Portugal no supo aprovechar para su desarrollo los cuantiosos fondos comunitarios que fluyeron sin cesar desde Bruselas durante casi dos décadas, coinciden analistas políticos y económicos.
En 1986, Madrid y Lisboa ingresaron a la entonces Comunidad Económica Europea con índices similares de desarrollo relativo, y sólo una década atrás, Portugal ocupaba un lugar superior al de Grecia e Irlanda en el ranking de la UE. Pero en 2001, fue cómodamente superado por esos dos países, mientras España ya se ubica a poca distancia del promedio del bloque.
'La convergencia de la economía portuguesa con las más avanzadas de la OCDE pareció detenerse en los últimos años, dejando una brecha significativa en los ingresos por persona', afirma la organización. En el sector privado, 'los bienes de capital no siempre se utilizan o se ubican con eficacia y las nuevas tecnologías no son rápidamente adoptadas', afirma la OCDE.
'La fuerza laboral portuguesa cuenta con menos educación formal que los trabajadores de otros países de la UE , inclusive los de los nuevos miembros de Europa central y oriental', señala el documento. Todos los análisis sobre las cifras invertidas coinciden en que el problema central no está en los montos, sino en los métodos para
distribuirlos.
Portugal gasta más que la gran mayoría de los países de la UE en remuneración de empleados públicos respecto de su producto interno bruto, pero no logra mejorar significativamente la calidad y eficiencia de los servicios. Con más profesores por cantidad de alumnos que la mayor parte de los miembros de la OCDE , tampoco consigue dar una educación y formación profesional competitivas con el resto de los países industrializados. En los últimos 18 años, Portugal fue el país que recibió más beneficios por habitante en asistencia comunitaria.
Sin embargo, tras nueve años de acercarse a los niveles de la UE , en 1995 comenzó a caer y las perspectivas hoy indican mayor distancia. Dónde fueron a parar los fondos comunitarios?, es la pregunta insistente en debates televisados y en columnas de opinión de los principales periódicos del país. La respuesta más frecuente es que el dinero engordó la billetera de quienes ya tenían más.
Los números indican que Portugal es el país de la UE con mayor desigualdad social y con los salarios mínimos y medios más bajos del bloque, al menos hasta el 1 de mayo, cuando éste se amplió de 15 a 25 naciones.
También es el país del bloque en el que los administradores de empresas públicas tienen los sueldos más altos. El argumento más frecuente de los ejecutivos indica que 'el mercado decide los salarios'. Consultado por IPS, el ex ministro de Obras Públicas (1995-2002) y actual diputado socialista João Cravinho desmintió esta teoría. 'Son los propios administradores quienes fijan sus salarios, cargando las culpas al mercado', dijo.
En las empresas privadas con participación estatal o en las estatales com accionistas minoritarios privados, 'los ejecutivos fijan sus sueldos astronómicos (algunos llegan a los 90.000 dólares mensuales, incluyendo bonos y regalías) con la complicidad de los accionistas de referencia', explicó Cravinho.
Estos mismos grandes accionistas, 'son a la vez altos ejecutivos, y todo este sistema, en el fondo, es en desmedro del pequeño accionista, que ve como una gruesa tajada de los lucros va a parar a cuentas bancarias de los directivos', lamentó el ex ministro.
La crisis económica que estancó el crecimiento portugués en los últimos dos años 'está siendo pagada por las clases menos favorecidas', dijo. Esta situación de desigualdad aflora cada día con los ejemplos más variados. El último es el de la crisis del sector automotriz. Los comerciantes se quejan de una caída de casi 20 por ciento en las ventas de automóviles de baja cilindrada, con precios de entre 15.000 y 20.000 dólares. Pero los representantes de marcas de lujo como Ferrari, Porsche, Lamborghini, Maserati y Lotus (vehículos que valen más de 200.000 dólares), lamentan no dar abasto a todos los pedidos, ante un aumento de 36 por ciento en la demanda. Estudios sobre la tradicional industria textil lusa, que fue una de las más modernas y de más calidad del mundo, demuestran su estancamiento, pues sus empresarios no realizaron los necesarios ajustes para actualizarla. Pero la zona norte donde se concentra el sector textil, tiene más autos Ferrari por metro cuadrado que Italia. Un ejecutivo español de la informática, Javier Felipe, dijo a IPS que según su experiencia con empresarios portugueses, éstos 'están más interesados en la imagen que proyectan que en el resultado de su trabajo'.
Para muchos 'es más importante el automóvil que conducen, el tipo de tarjeta de crédito que pueden lucir al pagar una cuenta o el modelo del telefono celular, que la eficiencia de su gestión', dijo Felipe, aclarando que hay excepciones. Todo esto va modelando una mentalidad que, a fin de cuentas, afecta al desarrollo de un país', opinó.
La evasión fiscal impune es otro aspecto que ha castrado inversiones del sector público con potenciales efectos positivos en la superación de la crisis económica y el desempleo, que este año llegó a 7,3 por ciento de la población económicamente activa. Los únicos contribuyentes a cabalidad de las arcas del Estado son los trabajadores contratados, que descuentan en la fuente laboral. En los últimos dos ños, el gobierno decidió cargar la mano fiscal sobre esas cabezas, manteniendo situaciones 'obscenas' y 'escandalosas', según el economista y comentarista de televisión Antonio Pérez Metello. 'En lugar de anunciar progresos en la recuperación de los impuestos de aquellos que continúan riéndose en la cara del fisco, el gobierno (conservador) decide sacar una tajada aun mayor de esos que ya pagan lo que es debido, y deja incólume la nebulosa de los fugitivos fiscales, sin coherencia ideológica, sin visión de futuro', criticó Metello.
La prueba está explicada en una columna de opinión de José Vitor Malheiros, aparecida este martes en el diario Público de Lisboa, que fustiga la falta de honestidad en la declaración de impuestos de los lamados profesionales liberales. Según esos documentos entregados al fisco, médicos y dentistas declararons), los arquitectos de ingresos anuales promedio de 17.680 euros (21.750 dólares), los abogados de 10.864 (13.365 dólaree 9.277 (11.410 dólares) y los ingenieros de 8.382 (10.310 dólares).
Estos números indican que por cada seis euros que pagan al fisco, 'le roban nueve a la comunidad', pues estos profesionales no dependientes deberían contribuir con 15 por ciento del total del impuesto al ingreso por trabajo singular y sólo tributan seis por ciento, dijo Malheiros. Con la devolución de impuestos al cerrar un ejercicio fiscal, éstos 'roban más de lo que pagan, como si un carnicero nos vendiese 400 gramos de bife y nos hiciese pagar un kilogramo, y existen 180.000 de estos profesionales liberales que, en promedio, nos roban 600 gramos por kilo', comentó com sarcasmo.
Si un país 'permite que un profesional liberal con dos casas y dos automóviles de lujo declare ingresos de 600 euros (738 dólares) por mes, año tras año, sin ser cuestionado en lo más mínimo por el fisco, y encima recibe un subsidio del Estado para ayudar a pagar el colegio privado de sus hijos,significa que el sistema no tiene ninguna moralidad', sentenció."
Pero el golpe de gracia lo dio la evaluación de la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económicos (OCDE): en los próximos años Portugal se distanciará aún más de los países avanzados.
La productividad más baja de la UE , la escasa innovación y vitalidad del sector empresarial, educación y formación profesional deficientes, mal uso de fondos públicos, con gastos excesivos y resultados magros son los datos señalados por el informe anual sobre Portugal de la OCDE, que reúne a 30 países industriales.
A diferencia de España, Grecia e Irlanda (que hicieron también parte del 'grupo de los pobres' de la UE ), Portugal no supo aprovechar para su desarrollo los cuantiosos fondos comunitarios que fluyeron sin cesar desde Bruselas durante casi dos décadas, coinciden analistas políticos y económicos.
En 1986, Madrid y Lisboa ingresaron a la entonces Comunidad Económica Europea con índices similares de desarrollo relativo, y sólo una década atrás, Portugal ocupaba un lugar superior al de Grecia e Irlanda en el ranking de la UE. Pero en 2001, fue cómodamente superado por esos dos países, mientras España ya se ubica a poca distancia del promedio del bloque.
'La convergencia de la economía portuguesa con las más avanzadas de la OCDE pareció detenerse en los últimos años, dejando una brecha significativa en los ingresos por persona', afirma la organización. En el sector privado, 'los bienes de capital no siempre se utilizan o se ubican con eficacia y las nuevas tecnologías no son rápidamente adoptadas', afirma la OCDE.
'La fuerza laboral portuguesa cuenta con menos educación formal que los trabajadores de otros países de la UE , inclusive los de los nuevos miembros de Europa central y oriental', señala el documento. Todos los análisis sobre las cifras invertidas coinciden en que el problema central no está en los montos, sino en los métodos para
distribuirlos.
Portugal gasta más que la gran mayoría de los países de la UE en remuneración de empleados públicos respecto de su producto interno bruto, pero no logra mejorar significativamente la calidad y eficiencia de los servicios. Con más profesores por cantidad de alumnos que la mayor parte de los miembros de la OCDE , tampoco consigue dar una educación y formación profesional competitivas con el resto de los países industrializados. En los últimos 18 años, Portugal fue el país que recibió más beneficios por habitante en asistencia comunitaria.
Sin embargo, tras nueve años de acercarse a los niveles de la UE , en 1995 comenzó a caer y las perspectivas hoy indican mayor distancia. Dónde fueron a parar los fondos comunitarios?, es la pregunta insistente en debates televisados y en columnas de opinión de los principales periódicos del país. La respuesta más frecuente es que el dinero engordó la billetera de quienes ya tenían más.
Los números indican que Portugal es el país de la UE con mayor desigualdad social y con los salarios mínimos y medios más bajos del bloque, al menos hasta el 1 de mayo, cuando éste se amplió de 15 a 25 naciones.
También es el país del bloque en el que los administradores de empresas públicas tienen los sueldos más altos. El argumento más frecuente de los ejecutivos indica que 'el mercado decide los salarios'. Consultado por IPS, el ex ministro de Obras Públicas (1995-2002) y actual diputado socialista João Cravinho desmintió esta teoría. 'Son los propios administradores quienes fijan sus salarios, cargando las culpas al mercado', dijo.
En las empresas privadas con participación estatal o en las estatales com accionistas minoritarios privados, 'los ejecutivos fijan sus sueldos astronómicos (algunos llegan a los 90.000 dólares mensuales, incluyendo bonos y regalías) con la complicidad de los accionistas de referencia', explicó Cravinho.
Estos mismos grandes accionistas, 'son a la vez altos ejecutivos, y todo este sistema, en el fondo, es en desmedro del pequeño accionista, que ve como una gruesa tajada de los lucros va a parar a cuentas bancarias de los directivos', lamentó el ex ministro.
La crisis económica que estancó el crecimiento portugués en los últimos dos años 'está siendo pagada por las clases menos favorecidas', dijo. Esta situación de desigualdad aflora cada día con los ejemplos más variados. El último es el de la crisis del sector automotriz. Los comerciantes se quejan de una caída de casi 20 por ciento en las ventas de automóviles de baja cilindrada, con precios de entre 15.000 y 20.000 dólares. Pero los representantes de marcas de lujo como Ferrari, Porsche, Lamborghini, Maserati y Lotus (vehículos que valen más de 200.000 dólares), lamentan no dar abasto a todos los pedidos, ante un aumento de 36 por ciento en la demanda. Estudios sobre la tradicional industria textil lusa, que fue una de las más modernas y de más calidad del mundo, demuestran su estancamiento, pues sus empresarios no realizaron los necesarios ajustes para actualizarla. Pero la zona norte donde se concentra el sector textil, tiene más autos Ferrari por metro cuadrado que Italia. Un ejecutivo español de la informática, Javier Felipe, dijo a IPS que según su experiencia con empresarios portugueses, éstos 'están más interesados en la imagen que proyectan que en el resultado de su trabajo'.
Para muchos 'es más importante el automóvil que conducen, el tipo de tarjeta de crédito que pueden lucir al pagar una cuenta o el modelo del telefono celular, que la eficiencia de su gestión', dijo Felipe, aclarando que hay excepciones. Todo esto va modelando una mentalidad que, a fin de cuentas, afecta al desarrollo de un país', opinó.
La evasión fiscal impune es otro aspecto que ha castrado inversiones del sector público con potenciales efectos positivos en la superación de la crisis económica y el desempleo, que este año llegó a 7,3 por ciento de la población económicamente activa. Los únicos contribuyentes a cabalidad de las arcas del Estado son los trabajadores contratados, que descuentan en la fuente laboral. En los últimos dos ños, el gobierno decidió cargar la mano fiscal sobre esas cabezas, manteniendo situaciones 'obscenas' y 'escandalosas', según el economista y comentarista de televisión Antonio Pérez Metello. 'En lugar de anunciar progresos en la recuperación de los impuestos de aquellos que continúan riéndose en la cara del fisco, el gobierno (conservador) decide sacar una tajada aun mayor de esos que ya pagan lo que es debido, y deja incólume la nebulosa de los fugitivos fiscales, sin coherencia ideológica, sin visión de futuro', criticó Metello.
La prueba está explicada en una columna de opinión de José Vitor Malheiros, aparecida este martes en el diario Público de Lisboa, que fustiga la falta de honestidad en la declaración de impuestos de los lamados profesionales liberales. Según esos documentos entregados al fisco, médicos y dentistas declararons), los arquitectos de ingresos anuales promedio de 17.680 euros (21.750 dólares), los abogados de 10.864 (13.365 dólaree 9.277 (11.410 dólares) y los ingenieros de 8.382 (10.310 dólares).
Estos números indican que por cada seis euros que pagan al fisco, 'le roban nueve a la comunidad', pues estos profesionales no dependientes deberían contribuir con 15 por ciento del total del impuesto al ingreso por trabajo singular y sólo tributan seis por ciento, dijo Malheiros. Con la devolución de impuestos al cerrar un ejercicio fiscal, éstos 'roban más de lo que pagan, como si un carnicero nos vendiese 400 gramos de bife y nos hiciese pagar un kilogramo, y existen 180.000 de estos profesionales liberales que, en promedio, nos roban 600 gramos por kilo', comentó com sarcasmo.
Si un país 'permite que un profesional liberal con dos casas y dos automóviles de lujo declare ingresos de 600 euros (738 dólares) por mes, año tras año, sin ser cuestionado en lo más mínimo por el fisco, y encima recibe un subsidio del Estado para ayudar a pagar el colegio privado de sus hijos,significa que el sistema no tiene ninguna moralidad', sentenció."
22.10.08
"Young Beethoven"
(Chet Baker em Los Angeles, 1954)
Autor: William Claxton
FALEI no Chet Baker e, por coincidência, soube agora que morreu há dias William Claxton, um fotógrafo que imortalizaou Baker nesta e noutras imagens e que tem um muito bom protefólio de músicos de jazz, que pode ser visto parcialmente aqui.
Etiquetas: Fotografia, Jazz, Música
UMA boa questão que se coloca nas eleições norte-americanas: prevalecerá um certo racismo latente ou não?
Etiquetas: Política
21.10.08
pensamento do dia
NÃO pára a música ca ra lho!
não pára a música ca ra lho!
não pára a música ca ra lho!
não pára a música caralho!
TÉDIO, filmado em Coimbra há mais de 10 anos e agora recuperado das teias do VHS para o mundo do youtube. Enjoy.
20.10.08
chet baker
A edição deste ano do doclisboa mostra (última exibição hoje às 23.30h no S. Jorge) um belo filme sobre a ascensão e queda de Chet Baker. Let's Get Lost foi realizado em 1989 por Bruce Weber, um conhecido fotógrafo de moda. O filme é todo a preto e branco e inclui imagens raras das primeiras actuações e juventude do genial trompetista , assim como muito material filmado nos últimos anos da década de 80, pouco antes de Baker ter morrido de overdose num hotel de Amesterdão, que encontrei casualmente quando flanava por lá (tem a sua éfigie junto à porta de entrada).
18.10.08
17.10.08
10 anos de Lux
O Lux Frágil, capital das noites de bom gosto em Lisboa, está a comemorar os 10 anos com 10 grandes festas. Para dar exemplos, hoje há Dezperados e amanhã Yen Sung convida Sam the Kid para a pista do bar e em baixo pôem música o Zé Pedro Moura e o Dexter.
O Manuel Reis (dono do espaço) teve a ideia de começar a publicar um jornal mensal com as novidades do Lux e artigos assinados por amigos da casa com queda para a escrita. No primeiro número, Catarina Portas fala das alegrias da dança e da fornicação:
Por entre entrevistas a DJ's que costumam passar pela casa, Isilda Sanches faz um resumo da década no Lux:
Vítor Belanciano, por sua vez, fala de um engate que deu para o torto:
O Manuel Reis (dono do espaço) teve a ideia de começar a publicar um jornal mensal com as novidades do Lux e artigos assinados por amigos da casa com queda para a escrita. No primeiro número, Catarina Portas fala das alegrias da dança e da fornicação:
"De onde vem o redemoinho? Em que paisagem nasce ele, o futuro furacão? [pois sim, tive uma t-shirt que dizia 'el ninõ take me with you' e poderia ser uma boa farda para dançar). Existem condições metereológicas propícias, a lua possante e inquietante não passa de mero pretexto e décor conveniente. A meteorologia sentimental, essa é que é ela. Pode acontecer quando sentimos que nos apaixonamos, pode suceder quando nos baralhamos, até pode dar-se quando celebramos. Pode simplesmente ser a vontade de respirarmos.
Nessas noites, corremos toda a cidade. Procuramos um albergue musical, uma cabana calorosa, uma clareira nocturna. E quando a realidade se compadece com as nossas ânsias, chegamos lá. No recreio da escola, quando jogávamos à apanhada, existia um canto onde ninguém nos conseguia apanhar nem nos podia tocar. Chama-se 'o coito'. Mais tarde aprendemos-lhe outro significado mas a ideia é sempre a mesma: um lugar onde existe a possibilidade de nos salvarmos e onde podemos saborear o seu prazer exultante. Em plena cumplicidade,a liberdade."
Por entre entrevistas a DJ's que costumam passar pela casa, Isilda Sanches faz um resumo da década no Lux:
"A música foi sempre o que me levou ao Lux. O que sempre nos levou e ainda leva. (...) Fui ao site contar os nomes que passaram pelo Lux desde que abriu. Desisti no final de 1999, em Tin 'Love' Lee, quando percebi que já ia no 64.º... não é preciso fazer as contas a todos os que vieram para chegar à conclusão de que os 10 anos de Lux também são 10 anos de contacto directo com os melhores DJ's, produtores, bandas e projectos, aompanhando o fluxo criativo e as suas curvas."
Vítor Belanciano, por sua vez, fala de um engate que deu para o torto:
"Perdi-te. Irremediavelmente. Para sempre. Custa aceitar. Por agora ainda sinto intacto os teus lábios quando te beijei na varanda do Lux. Os teus ombros quando os acariciei pouco depois em tua casa. O sentimento de exaltação, vivido na minha varanda quando regressei a casa pela manhã e te enviei um SMS. A tua mão sobre a minha no cinema Londres, no Indie Lisboa, dias depois de te ter beijado. A felicidade da tarde contigo na loja do cidadão e numa repartição algures na Avenida da República nem sei para fazer o quê, desde que fosse contigo.(...)"
16.10.08
alguns conselhos de MEC quanto a assuntos gastronómicos e de restauração:
"NO Porto come-se 40 milhões de vezes melhor do que em Lisboa. E muita gente vai almoçar a casa. O portuenses têm a atitude certa: chegam e dizem 'quero isto, aquilo e mais não sei o quê'. Quando são mal servidos, resmungam e protestam. Se as pessoas querem coisas como deve ser, têm de ir ao Porto. Lisboa é muito cara para a merda que é."
"A geração da 'nutrição' é terrível! Por tradição, as pessoas não vão a um sítio comer porque é giro! O sítio bom, normalmente, é fora de mão. Fica a uns 30 quilómetros, no cu de Judas. É sujo, no meio de um descampado, mal amanhado, com um dono mal-criado. É onde se come muito bem e barato."
[fala-se então de tascos manhosos, onde convivem maridos divorciados, putas e desvalidos da vida, onde o vinho pede meças e o presunto é servido a rosnar para o cliente] "É bom sinal uma pessoa ser maltratada. É sinal de que é barato, bom e o gajo ganha pouco ou nada com o que te serve. Até agradeces."
"As coisas boas estão a desaparecer e ficam mais caras por causa de factores exteriores à comida - a decoração, a vista, o raio que o parta! Já ouvi dizer 'aí come-se mal, mas a vista é boa'. O verdadeiro português não quer saber das vistas. Interessa-lhe se as coisas são boas. E aí paga!"
"Há a mania de que a comida macrobiótica é aquela coisa das algas, da soja... Mas uma vez fui com o Pedro Ayres de Magalhães a uma conferência de um mestre japonês e ele dizia: 'Em Portugal, vocês têm de comer sardinhas, chouriço, etc.' Ficou tudo de boca aberta. 'Então?!' E ele explicou: ser macrobiótico é comer o que existe num raio de cem quilómetros. No Japão, é o arroz, as algas... aqui é comeres o que te rodeia. Não é importar arroz integral da Mongólia.
"Dizer que um vinho é grandioso, que sabe a chocolate, a cacau, avelã, mijo de gato ou o raio que o parta é absurdo! O vinho, em Portugal, serve para acompanhar o que comemos. O português típico não fica dilacerado por não ter mais do que cinco vinhos num restaurante. O vinho da casa é sempre bom. Há vinhos por três, quatro euros, muito bons. Não paramos para falar do vinho, bebemos enquanto dizemos 'ai sim, e depois!"
"Quando os homens começam a assumir-se como 'chefes' é que começa a merda. 'Chefe' era o Mussolini, é uma palavra fascista. E depois fazem uma coisa chamada 'cozinha de autor'. Autoras são as mulheres. Tentam fazer um prato como a mãe fazia. Não têm aquela mania dos machos de armarem e dizerem 'atenção, isto não é um arroz de tomate, é o arroz de tomate da Filomena não sei quê Mendes'. E põem uma anchova em cima! É a filosofia do 'não faço como deve ser, mas deito uma porcaria qualquer para estragar'. É coisa de homem: mijar nos sítios para deixar marca. 'Agora vou mijar no arroz de tomate, que é para ser meu.' Ponho também um bocadinho de sumo de framboesa e zzzzzzzzzzzzztttt, mais uma mijinha. E a hipocrisia é que alguns chefes de cozinha fazem um bacalhau com framboesa para os clientes, mas depois eles comem as pataniscas ao almoço."
Miguel Esteves Cardoso à revista Visão de hoje
"A geração da 'nutrição' é terrível! Por tradição, as pessoas não vão a um sítio comer porque é giro! O sítio bom, normalmente, é fora de mão. Fica a uns 30 quilómetros, no cu de Judas. É sujo, no meio de um descampado, mal amanhado, com um dono mal-criado. É onde se come muito bem e barato."
[fala-se então de tascos manhosos, onde convivem maridos divorciados, putas e desvalidos da vida, onde o vinho pede meças e o presunto é servido a rosnar para o cliente] "É bom sinal uma pessoa ser maltratada. É sinal de que é barato, bom e o gajo ganha pouco ou nada com o que te serve. Até agradeces."
"As coisas boas estão a desaparecer e ficam mais caras por causa de factores exteriores à comida - a decoração, a vista, o raio que o parta! Já ouvi dizer 'aí come-se mal, mas a vista é boa'. O verdadeiro português não quer saber das vistas. Interessa-lhe se as coisas são boas. E aí paga!"
"Há a mania de que a comida macrobiótica é aquela coisa das algas, da soja... Mas uma vez fui com o Pedro Ayres de Magalhães a uma conferência de um mestre japonês e ele dizia: 'Em Portugal, vocês têm de comer sardinhas, chouriço, etc.' Ficou tudo de boca aberta. 'Então?!' E ele explicou: ser macrobiótico é comer o que existe num raio de cem quilómetros. No Japão, é o arroz, as algas... aqui é comeres o que te rodeia. Não é importar arroz integral da Mongólia.
"Dizer que um vinho é grandioso, que sabe a chocolate, a cacau, avelã, mijo de gato ou o raio que o parta é absurdo! O vinho, em Portugal, serve para acompanhar o que comemos. O português típico não fica dilacerado por não ter mais do que cinco vinhos num restaurante. O vinho da casa é sempre bom. Há vinhos por três, quatro euros, muito bons. Não paramos para falar do vinho, bebemos enquanto dizemos 'ai sim, e depois!"
"Quando os homens começam a assumir-se como 'chefes' é que começa a merda. 'Chefe' era o Mussolini, é uma palavra fascista. E depois fazem uma coisa chamada 'cozinha de autor'. Autoras são as mulheres. Tentam fazer um prato como a mãe fazia. Não têm aquela mania dos machos de armarem e dizerem 'atenção, isto não é um arroz de tomate, é o arroz de tomate da Filomena não sei quê Mendes'. E põem uma anchova em cima! É a filosofia do 'não faço como deve ser, mas deito uma porcaria qualquer para estragar'. É coisa de homem: mijar nos sítios para deixar marca. 'Agora vou mijar no arroz de tomate, que é para ser meu.' Ponho também um bocadinho de sumo de framboesa e zzzzzzzzzzzzztttt, mais uma mijinha. E a hipocrisia é que alguns chefes de cozinha fazem um bacalhau com framboesa para os clientes, mas depois eles comem as pataniscas ao almoço."
Miguel Esteves Cardoso à revista Visão de hoje
Etiquetas: Gastronomia
15.10.08
o poema contínuo
O novo livro de Herberto Helder, A Faca Não Corta o Fogo - súmula e inédita, encontra-se esgotado. De acordo com Luís Guerra, representante da Assírio & Alvim, que edita o poeta, o livro não será reeditado. "Herberto Helder não reedita. Quando muito, existirá, talvez mais tarde, um novo livro que acrescente algo a estes poemas. É o poema contínuo", referiu ao Público.
Etiquetas: Poesia
14.10.08
Howl
FIVE actors have joined the cast of the new biopic HOWL. David Strathairn, Alan Alda, Jeff Daniels, Mary-Louise Parker and Paul Rudd are all in the cast for the film, which is being written, produced and directed by Rob Epstein and Jeffrey Friedman.
The film revolves around the obscenity trial launched to censor Allen Ginsberg's groundbreaking book-length poem, according to the trade The Hollywood Reporter. The pair were approached by the Allen Ginsberg Trust to make a film commemorating the 50th anniversary of "Howl."
James Franco is lined up to play Ginsberg.
David Strathairn will play prosecuting attorney Ralph McIntosh, Alan Alda will play Judge Clayton Horn, Jeff Daniels will play prosecution witness Professor David Kirk, Mary-Louise Parker will play radio personality and prosecution witness Gail Potter while Paul Rudd will play literary critic and defense witness Luther Nichols.
[Eis uma boa nova, tirada do The Hollywood News. Estão a fazer um filme sobre o Ginsberg, um dos padroeiros da casa, numa altura em que se comemoram os 50 anos do poema Howl, muito parcialmente citado aqui no cabeçalho. Um dos poemas que mais me marcaram até hoje. Did You Have A Good Life When You Died? Enough To Base A Movie On? Fico à espera do filme!]
The film revolves around the obscenity trial launched to censor Allen Ginsberg's groundbreaking book-length poem, according to the trade The Hollywood Reporter. The pair were approached by the Allen Ginsberg Trust to make a film commemorating the 50th anniversary of "Howl."
James Franco is lined up to play Ginsberg.
David Strathairn will play prosecuting attorney Ralph McIntosh, Alan Alda will play Judge Clayton Horn, Jeff Daniels will play prosecution witness Professor David Kirk, Mary-Louise Parker will play radio personality and prosecution witness Gail Potter while Paul Rudd will play literary critic and defense witness Luther Nichols.
[Eis uma boa nova, tirada do The Hollywood News. Estão a fazer um filme sobre o Ginsberg, um dos padroeiros da casa, numa altura em que se comemoram os 50 anos do poema Howl, muito parcialmente citado aqui no cabeçalho. Um dos poemas que mais me marcaram até hoje. Did You Have A Good Life When You Died? Enough To Base A Movie On? Fico à espera do filme!]
13.10.08
10.10.08
"O desvanecimento das habilidades da sociabilidade é reforçado e acelerado pela tendência, inspirada no estilo de vida consumista dominante, a tratar os outros seres humanos como objectos de consumo e a julgá-los, segundo o padrão desses objectos, pelo volume de prazer que provavelmente oferecem e pelo seu «valor monetário». Na melhor das hipóteses, os outros são avaliados como companheiros na actividade essencialmente solitária do consumo, cuja presença e participação activa podem intensificar esses prazeres. Neste processo, os valores intrínsecos dos outros como seres humanos singulares (e assim também a preocupação com eles por si mesmos e por essa singularidade) estão quase a desaparecer de vista. A solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo triunfo do mercado consumidor."
Zygmunt Bauman, amor líquido (tal como citado no Sangue na Navalha)
Zygmunt Bauman, amor líquido (tal como citado no Sangue na Navalha)
Etiquetas: Ensaio
9.10.08
SE o mundo pudesse votar...
Morte de um miliciano não terá sido encenada
«A famosa fotografia tirada por Robert Capa na guerra civil de Espanha, a 5 de Setembro de 1936, de um miliciano das forças republicanas morto por um tiro, e cuja autenticidade tem sido discutida desde então, é verdadeira e documenta uma morte real e não encenada.
Mais de 70 anos depois, a descoberta, numa mala no México, dos negativos das fotos tiradas imediatamente antes e depois da imagem que ficou conhecida como Morte de Um Miliciano, levam a sugerir que esta, longe de ser uma foto encenada com fins de propaganda antifranquista, documenta a morte real de Federico Borrell Garcia, conhecido por El Taino, um anarquista de 24 anos.
Aquele achado, num total de 127 rolos com fotografias inéditas da guerra civil, atribuídas a Capa, à sua noiva Gerda Taro e ao fotógrafo David Seymour foi comparado "à descoberta do Santo Graal" pelo Centro Internacional de Fotografia de Nova Iorque, e inclui as 40 fotografias relacionadas com Cerro Muriano, onde morreu Borrell. Estas vão ser mostradas no Barbican Centre, em Londres, a partir de 17 de Outubro.
Entre as fotos está um instantâneo feito pouco antes do tiro que matou Borrell, em que se vê este levantando a sua espingarda junto de outros companheiros, posando para a câmara de Capa. Uma imagem posterior mostra um segundo soldado morto, corroborando que houve fogo inimigo.
Segundo disse Cynthia Young, organizadora da citada exposição, ao The Sunday Times, "estas imagens e um detalhado trabalho de investigação fazem muito para apoiar a afirmação de que a foto é real".
Tudo indica que Morte de Um Miliciano foi tirada por acidente. Capa e Taro, que também fotografou Borrell, estavam nas fileiras republicanas simulando situações de guerra, quando se deram os disparos inesperados do lado franquista.
A fotografia de Borrell saiu pela primeira vez na revista francesa Vu, tendo aparecido logo em seguida na Life. O negativo perdeu-se e o resto das fotografias de Capa, Taro e Seymour feitos na guerra civil de Espanha acabaram no México, até os negativos terem chegado há alguns meses ao Centro Internacional de Fotografia de Nova Iorque. Fundado por Cornell Capa, irmão de Robert Capa.»
Notícia publicada no DN de 30 de Setembro
Etiquetas: Fotografia
8.10.08
7.10.08
NÃO sei se são o “milagre” anunciado por Adolfo Luxúria Canibal, mas são seguramente uma das revelações da cena musical portuguesa. Os Peixe:Avião apresentaram-se em Lisboa recentemente e deram um concerto promissor. Com paisagens sonoras próximas das dos Radiohead, e um vocalista a cantar em falsete, como o Tom York (mas em português), a banda de Braga mostrou os temas de 40.02, o seu primeiro disco.
6.10.08
3.10.08
Vida na transição entre dois mundos
Bairro das Fontinhas, em Pangim, onde a arquitectura é portuguesa e muitos dos habitantes mais velhos continuam a falar a língua de Camões. No centro do bairro fica o bonito palacete da delegação da Fundação Oriente em Goa
OS olhos claros de Fernando Colaço transparecem a simpatia de quem tem tido uma vida rica. Dono de uma energia invejável para um septuagenário, o advogado continua a trabalhar diariamente no seu escritório atafulhado de livros e papéis. Paralelamente à sua actividade de causídico, está a escrever um livro de memórias onde relata com pormenor o “antes, durante e depois” da invasão de Goa pelas tropas indianas. Oriundo de uma família goesa radicada na Beira (Moçambique), Colaço estudou Direito em Lisboa, onde foi colega do malogrado primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro. Formou-se em 1956 e o seu primeiro posto profissional foi como notário na remota ilha açoriana de São Jorge. Seguiu-se Vila Velha de Rodão, onde recebeu notícia de que iria ser criado um notariado em Pangim. Decidiu regressar às origens e tomou posse no dia 1 de Janeiro de 59, sem suspeitar que o poder em Goa iria mudar de mãos rapidamente. “Nunca pensámos que houvesse uma possibilidade de conquista ou invasão armada de Goa. O Nehru tinha fama de pacifista, nós éramos admiradores dele”, recorda. Foi com espanto que, na madrugada do dia 18 de Dezembro de 1961, acordou com o barulho de uma explosão. A União Indiana tinha desencadeado a operação da tomada de Goa, Damão e Diu, As forças invasoras de Goa contavam com cerca de 50 mil homens e Vassalo e Silva, governador-geral do Estado Português da Índia, decidiu desobedecer a Salazar e não oferecer resistência, evitando que o magro contingente militar luso fosse massacrado. A memória mais vívida que Fernando Colaço tem do dia da invasão é a da mensagem do comandante da aviação indiana, berrada a partir de uma avioneta em voo rasante: “Paz e calma! Paz e calma!” - exclamava o militar. No meio destes acontecimentos conturbados, Fernando Colaço manteve a data do seu casamento com Sílvia e o enlace aconteceu no dia 27 de Dezembro. Seguiu-se o ultimato emitido pelo governo militar a todos os funcionários judiciários, que tiveram que jurar lealdade à Índia até dia 6 de Janeiro de 1962, sob pena de demissão dos cargos. Falou mais alto o desejo de ficar em Goa e todos assinaram, inclusive o presidente do Tribunal da Relação e o procurador geral da República. O destino quis que o notário fosse o último representante de um dos cargos mais antigos da administração portuguesa na Índia. O primeiro notário das Índias foi Diogo do Couto, que morreu em Goa no ano de 1616.
A possibilidade de resistência à invasão nunca foi colocada, apesar de ter havido quem defendesse a independência do território, ou até a sua integração numa espécie de “Commonwealth” portuguesa, juntamente com as outras colónias. “Mas Goa não é Timor. Timor é um exemplo para o mundo, em termos de resistência e militância. Morrem pela sua pátria. Aqui em Goa não, somos muito acomodatícios” compara Colaço. O advogado recorda como o português deixou de ser bem visto e mesmo ensinado entre 1961 e 1974. Mas considera que actualmente “voltou a haver alguma projecção da língua, embora anémica”. Na sua opinião, “apenas a Fundação Oriente [da qual é advogado] tem um papel interveniente e seria importante que outras instituições portuguesas marcassem presença em Goa. Para evitar que, no futuro, “sempre que se pergunta a um adolescente como está, ele responda ‘well’”.
[Texto da minha autoria, publicado no suplemento Fugas, do Público; 2005]
2.10.08
1.10.08
QUANDO morrer, metam o meu corpo num saco de plástico e atirem-no para a sargeta.
O processo criativo é um bocado como fazer amor. Pode ser tão violento como foder, como um orgasmo ou a ejaculação. O resultado é frequentemente desapontante, mas o processo é altamente excitante.
Francis Bacon
Francis Bacon, Estudo baseado no retrato de Velasquez do Papa Inocêncio X (1953)
Bacon vivia na e da negação de a vida ter qualquer propósito superior e de a arte e a natureza nos ligarem fosse de que maneira fosse a deus. Era o ateu completo, antimetafísico, antitranscendente.
Robert Hughes (crítico de arte)
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