31.10.10

861 trabalhadores banidos por seis meses


Catalina Yamat, da Migrante International

Os dados fornecidos pela PSP indicam que, nos primeiros 25 dias deste mês, receberam ordem de saída do território 71 trabalhadores. E não poderão voltar a trabalhar por cá durante seis meses. As associações alegam que a medida é draconiana e mal aplicada, dado que os despedimentos não têm, na maioria dos casos, uma justa causa e acontecem porque os trabalhadores adoecem ou reivindicam direitos inscritos na lei.
Uma reportagem sobre esta questão pode ser lida aqui.

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Pensamento do dia

SEGUNDO julgo saber deus queira que seja assim.

28.10.10

UM rapaz de Buarcos na Grande Guerra

Aos 21 anos, estava nas trincheiras da Flandres, juntamente com cerca de 50 mil portugueses obrigados a lutar e a morrer numa guerra que acontecia longe de casa e na qual o país teimara em participar. A família recebeu a notícia da sua morte em La Lys. "Ressuscitou" dois anos depois de partir de Lisboa.
(Um artigo do Público, por Maria José Oliveira)

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OLHA, acabei de ver um bocado desta coisa boa, aqui em pleno Largo do Senado, e para estupefacção dos chineses, que olhavam o menear de ancas pornográfico das cabo-verdianas, dançando a festa lá à frente:

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27.10.10

DOMINIQUE Wolton é um nome familiar para as mais recentes gerações de jornalistas portugueses. As teses que o director do Centro Nacional de Investigação Científica francês (CNRS) patenteou em mais de 20 livros são objecto de estudo nos cursos de Comunicação Social. Em entrevista, o académico aborda as consequências da globalização mediática.

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26.10.10

O casamento, numa crónica de Miguel Esteves Cardoso: "Num casamento feliz, cada um pensa que tem mais a perder do que o outro, caso o casamento desapareça. Sente que, se isso acontecer, fica sem nada. É do amor. Só perdeu o casamento deles, que eles criaram, mas sente que perdeu tudo: ela, o casamento deles e ele próprio, por já não se reconhecer sozinho, por já não saber quem é - ou querer estar com essa pessoa que ele é."

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25.10.10

OS nove documentários produzidos no âmbito do Programa DOCTV CPLP terão seguidores. Foi já anunciada uma segunda série, pouco antes da primeira estrear em Macau. No próximo domingo, a TDM deverá transmitir “O Restaurante”. O realizador e dois dos protagonistas falam sobre o documentário.

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24.10.10


BRASIL comemora o 70.º aniversário de Edson Arantes do Nascimento, imortalizado como Pelé, ainda hoje um ícone mundial e símbolo do país.

O seu golo mais bonito, segundo ele próprio, não foi filmado. Mas as descrições permitiram que fosse feita esta fantástica reconstituição:

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18.10.10


A morte de William Rozario foi o pretexto para uma conversa com Hugo Cardoso, um doutorado da UM que se tem dedicado ao estudo dos crioulos de base portuguesa e que fala sobre os motivos que levam ao desaparecimento das línguas minoritárias. Calcula-se que metade dos idiomas existentes se extingam ao longo deste século

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Manila


Manila, originally uploaded by BARBOSA BRIOSA.

Cobrador de bilhetes para transporte num Jeepney, centro de Manila.

17.10.10

Manila


Manila , originally uploaded by BARBOSA BRIOSA.

Manila


Manila , originally uploaded by BARBOSA BRIOSA.

Jeepneys

Pensamento do dia

“MELHOR é a sabedoria do que a força, ainda que a sabedoria do pobre seja desprezada e as suas palavras não sejam ouvidas.”
Livro de Eclesiastes

16.10.10

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14.10.10

Doc Lisboa

O escritor José Saramago pediu à mulher, Pilar del Río, que o "continuasse", quando já não tivesse forças, e esse é um dos "momentos de verdade" registados no filme "José & Pilar", que abre no dia 14 o festival Doclisboa.

O realizador Miguel Gonçalves Mendes dedicou quatro anos a este documentário, acompanhando o quotidiano do escritor José Saramago e da jornalista Pilar del Río desde 2006 até 2009, durante o processo de escrita e lançamento do romance "Viagem do elefante".

Para contar a história do casal, para lá da esfera mediática, Miguel Gonçalves Mendes andava à procura de um "momento de verdade" e sabia que para conseguir um "retrato intimista" teria que deixar passar muito tempo.

Foram mais de 200 horas de filmagens para que "José & Pilar" não fosse só um documentário, mas um filme com uma narrativa clássica de ficção, explicou o realizador à agência Lusa.

"É a história de um homem que tem uma ideia para um livro, adoece, tem medo de não conseguir acabar o livro, acaba por recuperar, termina e faz a sua vida a seguir", resumiu Miguel Gonçalves Mendes.

Em "José & Pilar", o escritor fala dos medos e dos dilemas sobre a velhice e a morte, das certezas sobre Deus e a religião, do cansaço das viagens, mas o documentário também mostra o que não se diz, a cumplicidade com a mulher e a dedicação militante de Pilar.

"Eu tenho ideias para romances e ela tem ideias para a vida. Não sei o que é mais importante", admitiu o escritor no filme, entre risos.

"Gostava que as pessoas percebessem estas duas pessoas maravilhosas que foram mal compreeendidas sobretudo cá. Gostava que as pessoas se pacificassem um bocadinho com ele", afirmou o realizador, que voltou ao documentário depois de "Autografia", sobre Cezariny.

Miguel Gonçalves Mendes recorda que Saramago nunca impôs restrições às filmagens, na casa em Lanzarote, nas reuniões com Pilar, nas viagens.

"Permitir uma invasão da privacidade desta forma é uma coisa muito corajosa", sublinhou.

José Saramago, que morreu a 18 de junho, ainda viu uma montagem inicial do documentário e disse na altura que o filme era uma "grande dedicatoria de amor" a Pilar.

"José & Pilar" terá estreia comercial nos cinemas a 18 de novembro, dos dias depois do 88º aniversário do escritor.

Está garantida estreia comercial também no Brasil e em Espanha, países co-produtores do filme.

Na altura da estreia será lançado um livro que reúne as entrevistas de Miguel Gonçalves Mendes ao escritor e um CD com a banda sonora do filme, que inclui temas de Adriana Calcanhotto, noiserv, Camané, Pedro Gonçalves e Alberto Iglesias.

SS.

+++ Este texto foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico +++

Lusa/fim

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13.10.10


NINGUÉM é um santo. Nem mesmo Mandela. É ele que o diz em Conversations with Myself, ontem lançado mundialmente e, a 8 de Novembro, em Portugal, com o título Arquivo Íntimo.

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O conhecido "street artist" britânico Banksy criou uma polémica sequência de abertura de um episódio de "Os Simpsons". A introdução mostra Bart a escrever no quadro preto “Não devo escrever nas paredes” numa Springfield coberta de graffiti com a assinatura do artista e termina, não com a família sentada no sofá de casa, mas mostrando uma fábrica asiática a produzir merchandising dos Simpsons, com recurso a trabalho escravo e à morte de animais.

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11.10.10

É preciso dizê-lo alto: isto é mais do que lamentável, é execrável:

Pequim, 11 out (Lusa) - A mulher do dissidente chinês Liu Xiaobo, prémio Nobel da paz 2010, confirmou estar em prisão domiciliária em Pequim, sem poder ser contactada por telefone, numa mensagem transmitida no Twitter.

“Meus amigos, estou de regresso a casa. A 08 (outubro), fui colocada em prisão domiciliária. Ignoro quando estarei em condições de ver quem quer que seja”, indicou Liu Xia, num texto publicado domingo à noite no serviço de microblogs.

A prisão domiciliária de Liu Xia já tinha sido anunciada domingo pela organização norte-americana de defesa dos direitos do Homem, Freedom Now.

“O meu telefone portátil está incontactável e não posso nem receber nem fazer chamadas”, acrescentou Liu, que foi alvo de uma vigilância policial apertada nas últimas semanas.

Liu Xiaobo confirmou ter visitado o seu marido, detido numa prisão no nordeste da China, para lhe anunciar no sábado de que na sexta feira foi galardoado com o Nobel da paz.

“Vi Xiaobo, e disse-lhe a 9 (Outubro) na prisão que tinha ganho o prémio. Dir-vos-ei mais posteriormente. Por favor, sejam quem forem, ajudem-me a comunicar através do Twitter. Obrigado”, prosseguiu a mensagem.

Liu Xiaobo, 54 anos, cumpre uma pena de 11 anos de prisão após ter sido um dos autores “da Carta 08”, um texto que exigia uma China democrática.

Segundo a ONG Human Rights in China (HRIC), Liu Xiaobo dedicou o seu prémio às pessoas que morreram na repressão do movimento democrático da praça Tiananmen de Pequim, desencadeada pelos estudantes em 1989.

LMP

*** Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico ***

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Manila - Criança


Manila - Criança, originally uploaded by BARBOSA BRIOSA.

9.10.10

TOM Waits é um dos nomeados para passar a fazer parte do Rock and Roll Hall of Fame em 2011.
Eis o texto de apresentação da nomeação:
Only one songwriter could be covered by the Ramones (“I Don’t Want to Grow Up”) and the Eagles (“Old 55”). Beginning with his first album in 1973, Tom Waits has carved out a unique place in rock & roll. His music mixes Chicago blues, parlor ballads, beat poetry, pulp fiction parlance and – when you least expected it – heart-breaking tenderness. His enormously influential live shows combine elements of German cabaret, vaudeville and roadhouse rock. After establishing a successful early style as a wry singer-songwriter, Waits went through a dramatic expansion with Swordfishtrombones (1983). Disregarding musical borders and commercial considerations, he set off in wild pursuit of the Muse. Waits has composed film scores, musical theatre and an operetta. He has co-written with Keith Richards and William Burroughs. His songs have been covered by Screamin’ Jay Hawkins, Solomon Burke, Marianne Faithful, the Neville Brothers, Robert Plant and Alison Krauss and the Blind Boys of Alabama. He has recorded with the Rolling Stones, Bonnie Raitt, the Replacements and Roy Orbison. A tribute to his great influence is how many of his songs have been recorded by artists who usually write their own – including Bruce Springsteen (“Jersey Girl”), Tim Buckley (“Martha”), Johnny Cash (“Down By the Train”), Bob Seger (“16 Shells from a Thirty-Ought Six”), T-Bone Burnett (“Time”), Tori Amos (“Time”), Steve Earle (“Way Down In The Hole”), Elvis Costello (“Innocent When You Dream”) and Rod Stewart (“Downtown Train”).

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8.10.10

"O mockumentary é um modo muito versátil para expressar o que pensamos nesta época. Nos últimos 10, 15 anos as pessoas habituaram-se às formas de convenções do documentário, especialmente desde o advento do cabo com canais como o Biography ou E!, em que as pessoas consomem muitos documentários como entretenimento. Tanto do que sabemos sobre celebridades foi-nos dito em documentários. Até o Daily Show de Jon Stewart, ao ser mock news, segue esta ideia", contextualiza Robert Thompson.
(...)
Bom artigo da Joana Cardoso, do Público, sobre "I'm Still Here", o suposto documentário sobre um actor desalinhado em "reinvenção criativa" (Joaquin Phoenix), que já está nos cinemas dos Estados Unidos.

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7.10.10

Pensamento do dia

DE uma maneira geral, as mulheres são demasiado plásticas para serem boas romancistas, ou a terem a coragem de escrever poemas de jeito (não é que não os pensem, preferem é não pensá-los). É preciso quebrar todos os espelhos para se ser realmente escritor.

6.10.10

MORREU na segunda-feira o advogado e escritor macaense Henrique de Senna Fernandes, que escreveu isto, que tanto me tocou:

"(...)
O marujo penetrou na sua vida sem alvoroço, naturalmente. Batizou-o de Cou-Lou - Homem Alto - sem que todavia se lhe endereçasse deste modo. A princípio, as companheiras reprovaram o procedimento, abanando a cabeça em murmurações. Por fim habituaram-se a considerá-lo como seu homem. Era bem certo que não poderia viver eternamente só. Aliás nada ha­veria de mais banal do que descobrir um marinheiro ligado a uma tancarei­ra. Não valia a pena, portanto, barafustar. Assim todas as vezes que surgia à noite, junto do tancar, A-Lin saltava para as embarcações fronteiras e deixava a amiga sozinha, imperturbável.

Não lhe dedicava o marinheiro todas as horas de folga. Havia mesmo dias que não lhe via a cara. Mas não passava uma semana que não a tomasse nos braços e lhe fizesse esquecer o rio. Não exigia A-Chan mais do que isto, contente de se sentir preferida e acarinhada. Não conhecera senão aquele homem e ninguém lhe acordara sensações tão inebriantes. Entregara-lhe o corpo com tanta docilidade e submissão, como quando a Velha o punha roxo de vergastadas. Não lhe podia fugir nem chegava a esboçar a mais leve resis­tência, embora soubesse que não devia acolhê-lo tão abertamente.

Decerto possuía mais mulheres. Todos os homens possuíam, quanto mais um marinheiro. Não a acidulava, porém, o ciúme porque se criara na lógica do concubinato e da bigamia. Tudo lhe era natural. No fundo, até se orgulhava de pertencer ao número daquelas que partilhavam do seu amor.

Manuel devassara mundos, estivera nos cruzeiros de África, familiarizara-se com os trópicos e calmarias, sequioso de aventura e da paixão do mar. Abor­dara a Macau, transferido para a marinha privativa da província e, durante anos se deixara seduzir pelos exotismos e sortilégios do burgo macaense. Já dava por finda a comissão, quando a guerra estalou com todo o seu cortejo de horrores.
(...)
Quando A-Chan pisou o seu destino, não a tratou melhor nem pior que as outras de quem ia buscar um pouco de lenitivo para os seus desgostos. Não a considerou mais que um objeto de prazer de quem se podia apartar com indiferença. Mas cedo lobrigou que a tancareira possuía um dom ma­ravilhoso, que lhe fazia bem sentir-se ao pé dela. Não que fosse bonita, não. Era feia, rosto macerado e trigueiro, uma resignação estampada de quem conhecia o ferrete do sofrimento. Olhos oblíquos, dois traços miúdos, um nariz chato, grosseiro. Horrenda, não, simplesmente feia. Mas que terna ex­pressão de escrava submissa.

Nas suas andanças pelo mundo, familiarizara-se com mulheres de vá­rias raças e sabia por que preço se amava uma prostituta ao longo de todo esse Oriente prodigioso. Mas A-Chan não lhe dava a sensação dum alcoice, porque havia nela qualquer coisa de meigo, de suave, de muito comovente. E ele era um sentimental. Saturara-se do ambiente deletério das hospedarias, onde a miséria era mais profunda. Não podia suportar os sorrisos estereoti­pados das flores dos bairros de amor, as suas carícias automáticas, a desgraça imensa da guerra. Não, porque esta não era só a metralha e o sangue. Era também a fome daqueles milhares de seres que diariamente morriam nas arcadas frias da cidade, a doença que ruía sobre os miseráveis sem guarida, o meretrício desenfreado - moças e crianças mercadejadas por pais famintos.

A-Chan trazia-lhe paz na sua desinteressada dedicação. Chocava-o aquela submissão de fêmea amorosa que nada pedia. Uma calada devoção que o enternecia. Gostava de ficar ao pé dela a seguir a marcha rutilante das estrelas, a paisagem noturna de Macau, o casario da Penha e o da Barra diluídos em sonho no fundo azul da noite. Era feia, ignorante, açulada pela canga do rio. Mas os olhos orientais não escondiam uma imensa ternura pelo marinheiro saudoso do mar. Sensibilizava-o a maneira como lhe sorria, como lhe oferecia a tigela de chá ou como lhe passava os dedos calosos e ás­peros pelos seus cabelos louros de europeu, num requinte de familiaridade. Falavam pouco, entendiam-se mais por gestos que por palavras. Mas que refartantes os silêncios em que ela se apagava num canto do tancar para não lhe perturbar as meditações.
(...)
E foi numa dessas noites em que o silêncio se quebrava com a trepi­dação irada dos aviões que ela descobriu a insofismável nova. Ia ter uma criança, um filho desse homem louro, de olhos azuis, que tão suavemente a tratava. Qualquer coisa de inédito, de estupendo nasceu nela, um sentimento indefinido e ao mesmo tempo embriagador. Mas calou-se, aguilhoada por súbito pudor e infantil receio de que ele se zangasse por não ter sabido evitar a maternidade.
(...)
"Pulou para a embarcação e atancareira, sem mais palavra recolheu a prancha, desligou as amarras. E o tancar deslizou na noite negra e úmida. Não falaram durante muito tempo. Ele, comovido, a gozar aquela serenidade tão difícil de haurir nesses trágicos dias. Ela, confusamente feliz, um mundo a entrechocar-se no âmago do coração. Mas ambos pareciam indiferentes.
Ele, a reprimir uma vontade incontida de chorar. Ela, sempre oriental, a es­conder os mais exaltados sentimentos num rosto imóvel, quase impassível.

De repente, alguma coisa se agitou perto dele. Ergueu-se alarmado, e, entre panos velhos e andrajosos, descortinou o indiscreto que lhe cortava o fio das meditações. Ficou aniquilado ao tocar na criança que se esperneava ao frio. Um ser minúsculo, ralos cabelos alourados, tez quase branca, olhos claros, a denunciar ascendência européia.

Os remos vibravam, com ritmo singular, na placidez da noite. Achi­nesa parecia alheia ao drama que se desenrolava perto. Mas os olhos não se despregavam do enorme dorso do marinheiro e compreendiam quão petri­ficado ele estava.

Acriança soltou um vagido, mais outros. Atabalhoadamente, Manuel enfaixou-a, apertou-a contra o peito, ciciando:

- Minha filha, minha pequenina.

A-Chan entendeu o apelo da criança. Largou os remos e pediu branda­mente ao marinheiro que a substituísse. - O nome?

- Mei Lai.

O tancar vogou, por segundos, à deriva, porque o marinheiro senti­mental se especara na adoração da filha que sugava o peito sazonado da mãe, com abençoada sofreguidão.

Acordou nele a paternidade, um amor profundo pela inocente. Expe­rimentado nos perigos que rodeavam o tancar, pensou logo em afastá-la do rio e, ao cabo de duas semanas desencantou uma casa na Praia do Manduco. Não defrontou qualquer oposição da mãe, que detestava a terra, onde a vida lhe fora tão agreste. Submetera-se A-Chan, porque não lhe estava nos hábitos contrariá-lo e, mormente, quando lhe patenteava maior afeição. Confiou o barquinho aos cuidados de A-Lin e, docilmente internou-se na cidade.

Foram os mais aliciantes meses que juntos viveram. Até ali, A-Chan não era mais do que uma simples ligação de marinheiro. Agora era a mãe da sua filhinha. Continuavam a falar pouco, isolados em mundos opostos. Entre eles, porém, existia a doce presença de Mei Lai. O que ambos não conseguiam dar um ao outro, prodigalizavam-no à criança. E como eram felizes! Atancareira soltava francas gargalhadas, sem rebuço, quando brincava com ela. E Manuel transmudava-se num gaiato, que passava horas sem fim a distraí-la.

Aguerra terminava, no entanto. Rendida a Alemanha, esfacelava-se o Império do Sol Nascente. Ao observar A-Chan nas suas lides domésticas uma tribulação se apoderava dele. Sabia que não podia ficar para sempre ao pé da tancareira, porque o seu destino era o mar. Não lhe tinha amor porque isso só podia florir com a comunhão absoluta das almas. Mas votava por ela uma estima que jamais tivera por alguém. Os colegas chasqueavam dele, do seu "gosto degenerado". Não atinavam como pudesse viver junto daquela criatura feia. Mas era verdade. Pesava-lhe abandoná-la, agora que a via tão venturosa, protegida da crueldade do rio. Aliás, fora a única mulher que lhe insuflara a sensação de possuir um lar.

E não se enganava. Nunca A-Chan bendisse tanto a vida como naqueles meses. Aterra mostrara-lhe a sua feição benigna. Não era uma desprezada mui-tchai que ali estava. Era uma senhora que governava a sua casa, com o devido respeito da vizinhança. Orgulhava-se da Mei-Lai, como se tivesse dado à luz um rapaz. E nunca o seu amor pelo marujo louro, de olhos azuis, fora tão grande, tão mimoso. Sim, a guerra estava no fim. Ele dera-lhe a perceber, desde o começo que, depois da tempestade faria rumo ao longínquo País das Uvas. Mas esperava que ele não partisse, agora que tinham uma filha. E, aca­lentada por tal esperança, vivia indiferente a tudo que não fosse o lar.
(...)
Jantou sem apetite, só para agradar à companheira que se empenhara em oferecer-lhe opípara refeição. Dilacerava-o a sua mansidão usual. Prefe­ria que ela gritasse toda a sua revolta do que guardar no fundo da sua alma estranha de oriental, uma dor incomensurável. Estava pálida, imensamente abatida. Mas procedia como se estivesse em dias mais ledos.

Quando bateram as nove de qualquer relógio da cidade, soergueu-se da esteira, onde se deitara para mitigar a comoção. A-Chan, que amamentava a criança, estremeceu.

- Vamos.

Ela assentiu resignada, aconchegando mais a si o ente querido de quem se ia separar. Manuel pegou nos remos e guiou o tancar para o porto, para os cais de embarque, onde resfolegava a lancha dos passageiros.

Então, nesse momento, sem disfarces, romperam soluços do peito da tancareira. Espaçados, pungentes, envergonhados. Manuel quis-lhe pedir que os contivesse, mas estrangulara-se-lhe a voz. E sentiu que perdia qual­quer coisa de inestimável que jamais poderia ser substituída. Remou com mais vigor na penosa necessidade de escapar àquela cena. O inverno soprava da China uns resquícios do seu vento gelado. Mas, de novo, ninguém deu por ele. E os soluços continuavam. Espaçados, pungentes, envergonhados.

O marinheiro não subiu imediatamente para a lancha. Já soara o se­gundo apito para a largada. Ficaram a olhar para a filha adormecida, ambos lutando para balbuciar algumas palavras. Ela feia, sucumbida, a conter em vão os soluços, para implorar que voltasse para tirá-la do rio que era a sua prisão. Ele, para inutilmente prometer os mais impossíveis compromissos, e rogar-lhe que fosse boa rapariga.

Quando o apito estrugiu mais uma vez, Manuel estendeu os braços para a tancareira humilde. A-Chan mirou-o num instante e depois, suavemente, entregou-lhe a filha pequenina, murmurando numa derradeira solicitude maternal.

- Cuidadinho... cuidadinho...

(Escrito em Coimbra, em Fevereiro de 1950, com saudades de Macau.)

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Pensamento do dia

HOJE foi-me concedida mais uma grande Graça. As igrejas, juntamente com os jardins e as bibliotecas, são os melhores sítios de recolhimeto e reflexão. São Lourenço é o padroeiro do meu bairro, tenho Buda à flor da pele; eles protegerão, eles ajudarão a lidar com todo o mal.

5.10.10

PELOS cem anos do regime republicano português, que hoje se assinalam, um artigo interessante de Fernando Rosas sobre a I República: "A República torna-se presa fácil da conspiração das direitas antiliberais, porque está ferida de uma crise de legitimidade estrutural e mergulhada na instabilidade política e financeira. A isso é necessário juntar a "questão religiosa", a rotura com o operariado e o facto de ter arrastado o país para o desastre suicidário da guerra. Quando uma parte da República tenta corrigir os erros, já é tarde."

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4.10.10

Pensamento do dia

2.10.10


PATROCINADORES da campanha de MJV à Presidência...

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Em Macau: Em Lisboa:
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