19.1.11

"QUEM" viveu em 1974 ainda se lembra. Com a possível excepção de Mário Soares, não havia um político ou aspirante a político que não tivesse um militar. A bajulice indiscriminada do indígena desceu a um nível nunca visto. Os pequenos grupos de esquerda, muito principalmente, pensavam promover as suas fantasias apanhando uma farda qualquer que partilhasse o seu fanatismo e a sua loucura. O grande exemplo a copiar (Portugal não dispensou um exemplo a copiar) era o Peru (palavra de honra, o Peru), nessa altura governado por um obscuro Governo de coronéis. Os cognoscendi falavam da democracia com desprezo e, além disso, garantiam a impossibilidade "científica" de ela se vir algum dia a estabelecer num país pobre e atrasado como o nosso, que não passara, como Marx mandava, por uma verdadeira fase "burguesa".

Esta semana morreu Vítor Alves, um dos "capitães sem sono" como rasteiramente lhes chamavam (na realidade, já chegara a major), e desde o princípio coordenador do MFA. Os jornais não lhe deram muita importância. Um obituário ou outro, seco e expeditivo, meia página aqui e acolá, declarações de amigos (Otelo e Vasco Lourenço, por exemplo) e pouco mais. Nenhuma autoridade do Estado ou dos partidos se manifestou. Isto, no fundo, não é estranho. O "25 de Abril" não foi, como pretendiam os dementes do PREC, uma revolução. Foi um pronunciamento clássico, com alguma efusão de lágrimas e de retórica, mas não de sangue. A "revolução", ou a tentativa de "revolução", veio depois, quando o grosso do MFA se deixou penetrar pelo PC de Álvaro Cunhal e Otelo se descobriu de repente uma irreprimível vocação de libertador do povo.

Os portugueses não levaram a bem estes devaneios e em 1975 estivemos perto de uma guerra civil. A responsabilidade dos "capitães sem sono" é neste capítulo total. Sem educação e com um justo medo de represálias pelo abandono de África, não queriam a direita. E, como não queriam a direita, apoiaram a esquerda. O ar do tempo, de resto, ajudou a operação. Verdade que Vítor Alves, uma pessoa civilizada, entrou nesse delírio contrafeito e que, em Novembro, com o "Grupo dos Nove", ajudou a restabelecer uma certa normalidade, sob tutela do MFA. Só que nem assim se tornou simpático. A brutalidade e a cegueira dos militares não se esqueceram. Nem se esquecerão."

(Vasco Pulido Valente, Público, 16-1-11)

Etiquetas: ,

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial

Em Macau: Em Lisboa:
www.flickr.com
This is a Flickr badge showing public photos and videos from BARBOSA BRIOSA. Make your own badge here.
Bookmark and Share