13.4.10

UMA jornalista da revista Sábado pediu-me um depoimento para um artigo sobre o ex-Provedor de Justiça, que faleceu no domingo à noite. Não tinha muito tempo para responder, mas dei o seguinte testemunho:

"Em relação a Nascimento Rodrigues, escrevi há uns meses o seguinte:

"Sei que não é propício dizer isto na era da política espectáculo. E não o digo por ter sido seu colaborador, afirmo-o enquanto cidadão português, com imparcialidade. Existissem mais dirigentes e governantes do calibre do ex-Provedor de Justiça e o país já teria há muito saído da porca miséria em que está secularmente atolado, talvez desde os tempos de D. João II"

Isto não é um desabafo post-mortem. Não foi escrito neste momento, mas mantenho. Se quiser, pode citar.

Por outras palavras, quer isto dizer que NR foi, pelo que pude ver, um servidor público exemplar. Tinha um alto sentido da dignidade institucional do cargo que desempenhava, por isso era discreto. Não gostava de ondas desnecessárias e sabia que o seu trabalho teria melhores resultados se dialogasse construtivamente com as instituições públicas. Isto porque a Provedoria é um órgão consultivo e necessita da boa colaboração dessas instituições. Trabalhava muito, empenhava-se na análise dos processos e preocupava-se com a eficiência da actuação da Provedoria de Justiça. Sob os seus dois mandatos (de quatro anos cada) foram aumentando gradualmente o número de queixas entradas e a quantidade de processos instruídos e resolvidos a favor dos queixosos.

Em relação ao trabalho, posso falar dos aspectos relacionados com a comunicação social. É certo que NR foi criticado por não aparecer mais vezes, por não dar muitas entrevistas. Mas tinha o cuidado de responder rigorosamente a todas as solicitações que lhe eram feitas pelos órgãos de comunicação social, que eram diárias. Sempre que era pedida informação sobre um determinado processo,essa informação era disponibilizada. Mais uma vez, não lhe interessava o espectáculo ou as polémicas vãs. Prestava a informação ao público de forma serena e sem emproamentos.

Os últimos meses foram penosos. Eu não fiquei até ao fim, vim para Macau em Novembro e ele ainda teve que ficar mais uns meses à espera que a AR se decidisse. Mas continuou a trabalhar normalmente.
Lembro-me que, às vezes, tinha desabafos. Era céptico em relação à qualidade da classe política e mesmo em relação ao futuro do país. Isso angustiava-o claramente, porque era um patriota, no bom sentido da palavra.
O seu desagrado ficou bem evidente nas entrevistas que deu ao Expresso e depois na renúncia.
Penso que não foi justo o que lhe fizeram. Era um homem que estava doente e que já tinha feito o seu serviço público ao longo de décadas, deviam ter tido mais consideração para com ele.

E é tudo, diga-me se tiver mais alguma questão, ou se quiser algum complemento.
Recomendo também a leitura do blog dele, que é uma espécie de despedida, como ele escreve a certa altura:


"O 'Ouvidor do quimbo' é, assim, um título de simbiose, pois advém quer de Portugal, que é minha Pátria, quer de Angola, que é a minha Terra. Pretende ser um blogue de memórias e de saudades, de poesia, de estórias e de comentários, incluindo comentários políticos, os melhores para a gente se rir. Será também uma forma de deixar aos meus treze netos um rasto meu, porque, pela ordem natural das coisas, sobretudo os mais pequenos é provável que dele nada retenham.

No mais, caro caminhante de passagem por aqui, nunca se esqueça daquele provérbio saloio que diz assim: 'se não gostas do que lês, pois não leias'; ou, se preferir um provérbio ganguela, então escute este:'um homem não é um jacaré. Um jacaré não é um homem. Mas o jacaré come o homem'."

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