29.8.09

As mutações da Ásia

AO longo de uma semana, concluída no dia das eleições para o Chefe do Executivo de Macau, António Júlio Duarte acompanhou as reportagens dos jornalistas do Hoje Macau, produzindo a sua visão dos acontecimentos que aqueles cobriam. O trabalho do fotógrafo integra-se no projecto “Estados Gerais”, promovido pela “kameraphoto”, um colectivo português de fotógrafos freelancer. Para além de Macau, outros doze fotógrafos da “kameraphoto” estiveram espalhados por redacções das cidades de Detroit, São Paulo, Cidade do México, Istambul, Madrid, Moscovo, Reiquiavique, Gaza, Joanesburgo, Beirute, Nova Deli e Tóquio. O resultado final será exposto em festivais de fotografia e resultará num livro com publicação prevista para Setembro.
Lisboeta com 44 anos, António Júlio Duarte estudou fotografia na Ar.Co e depois no londrino Royal College of Art, em Londres, beneficiando de uma bolsa de estudo da Gulbenkian. Autor de dezenas de exposições individuais, entre as quais uma na delegação de Macau da Fundação Oriente, já viu o seu trabalho ser premiado em diversas ocasiões, com destaque para um “European Kodak Award in Portugal”. Já esteve várias vezes a fotografar em Macau e, para além dos Estados Gerais, está também a desenvolver um projecto de ensaísmo fotográfico que se concentra nesta cidade, como explicou em entrevista ao Hoje Macau.



Hoje Macau (HM): Já tinha fotografado em Macau anteriormente. O que é que o surpreendeu desta vez?

António Júlio Duarte (AJD): Tinha fotografado noutros moldes. Nunca tinha vindo para Macau fazer um trabalho puramente jornalístico. Dessas vezes fiz uma fotografia mais documental e pessoal, sem preocupação de registar o facto politico, o acontecimento, enfim, o trabalho habitual dos jornalistas. Não costuma ser esse o meu registo. Desconhecia esse lado mais factual desta realidade. Foi uma semana em que houve dois assuntos: o eclipse e a eleição do Chefe do Executivo.

HM: E quais foram os problemas que se lhe colocaram ao desempenhar funções de fotojornalista?

AJD: Estive em contacto com todos os colegas que estão espalhados pelo mundo e cheguei à conclusão de que tivemos todos o mesmo tipo de problemas. Pesa a parte burocrática até se conseguir chegar aos sítios e poder fotografar. Há limitações cada vez maiores ao trabalho da imprensa, que são globais. Não se pode dizer que Macau seja diferente nesse aspecto.

HM: Ou seja, as autoridades procuram, de alguma forma, restringir a liberdade de movimentos da imprensa...

AJD: Julgo que sim, trata-se de uma tendência global. Não se pode dizer que seja um controle, mas é uma grande necessidade de manter os jornalistas sob uma certa vigilância.

HM: Em termos das imagens que captou, já tem alguma noção quanto às tuas eleitas?

AJD: Fiz uma primeira edição que seguiu para Lisboa, dado que o trabalho de todos será processado de forma muito rápida. O limite para entrega é já no dia 3 de Agosto. O livro está programado para Setembro e é quase certo que a primeira apresentação pública seja na projecção áudio-visual do “Visa pour le image”, o festival internacional de fotojornalismo de Perpignam, na França.

HM: Mas já tinha trabalhado como fotojornalista?

AJD: Muito pontualmente. Nunca estive ligado a nenhum jornal em particular. Tenho-me afastado progressivamente dos trabalhos de imprensa, até porque não há muita procura. Os jornais, hoje em dia, quase não têm grandes reportagens, não tratam dos assuntos de forma muito extensa. Portanto, não há muita necessidade de contratar um fotógrafo exterior.

HM: Como é que avaliarias a qualidade do fotojornalismo publicado nos jornais de Macau?

AJD: É muito semelhante ao de outros sítios. Tudo parece estar nivelado, hoje em dia. Há excepções nalguns países da Europa e em algumas revistas dos Estados Unidos, mas são casos pontuais. Há um nivelamento, todos os jornais se assemelham muito. Cada vez existem menos fotógrafos nas redacções, as imagens são compradas às grandes agências. A mesma imagem pode ser capa de vários jornais do mundo inteiro. Há standartização, por vezes por motivos puramente económicos – sai mais barato fazer assim - não há essa procura de ter um fotografo que dê uma marca ao trabalho. As linguagens visuais usadas são semelhantes.

HM: Esses fotógrafos que tentam uma abordagem diferente acabam por ter que arranjar formas alternativas para mostrar o trabalho, tais como as exposições ou a edição de livros...

AJD: Sim, agora também há quem opte por tentar usar a Internet, disponibilizar as imagens de outras formas. Mas aí há o problema da rentabilização. Estamos numa espécie de transição para qualquer coisa. O jornalismo está a mudar, não se sabe muito bem o que vai acontecer.

HM: Mas, quanto ao fotojornalismo, a sua perspectiva não parece ser muito optimista...

AJD: Se calhar, cada vez há mais necessidade de fazer trabalhos independentes, de resistir e tentar encontrar alternativas relativas às grandes agências que nos dão informação massificada.

HM: E é essa questão dos modos de ver trazidos pela comunicação de massas que o projecto “Estados Gerais” procura interrogar...

AJD: Todos os integrantes no projecto escolheram jornais que se preocupam com as notícias do sítio onde estão inseridos, numa abordagem local. Um pouco para comparar com o que difundido pelas grandes agências. E também para analisar como vimos a notícia e como o jornal em que estamos inseridos a viu.

HM: A notícia mais relevante de Macau esta semana foram as eleições. Fez a cobertura. Que ilações tira delas?

AJD: São eleições peculiares. O facto de ser um candidato único reflectiu-se nas acções de campanha que acompanhei. Não havia necessidade de fazer uma campanha muito agressiva, dada a falta de concorrência. Foi uma boa experiência estar em contacto com esta realidade politica e poder presenciar o funcionamento do sistema.

HM: Aliás, é muito provável que tenha sido o único fotografo a estar cirurgicamente em altura de eleições.

AJD: Sim, tentámos ter outra pessoa numa situação de eleições, na Guiné-Bissau, mas não foi possível obter autorizações para isso.

HM: Trabalhou muito na Ásia, algumas vezes com apoios da Fundação Oriente. Há algum país que o tenha marcado mais?

AJD: Gosto de espaços urbanos estruturados. Por exemplo, estive aqui em Fevereiro a fotografar para um projecto mais pessoal, que está a ser editado. Já não vinha a Macau desde 1999, portanto houve um hiato muito grande e surgiu toda esta realidade dos casinos. Foi como se tivesse vindo para um sítio completamente diferente, a mudança foi brutal, para quem vem de fora. Este projecto tem a ver com a arquitectura efémera dos casinos, que tem muito de cenário, de Las Vegas. Interessa-me continuar com este trabalho, que, espero, redundará em exposições e num livro.

HM: O que é que o atrai mais na Ásia?

AJD: Uma das razões porque trabalho na Ásia prende-se com a constante mutação, a uma velocidade diferente da europeia, em que as coisas são mais lentas e estagnadas. A Ásia tem este dinamismo, esta capacidade de destruir e construir as coisas, de tal forma que as cidades se tornam irreversíveis. Interessam-me estas velocidade e dinâmica asiáticas, assim como a forma como as pessoas adaptam esses novos espaços às suas necessidades.


HM: No futuro, a “kameraphoto” continuará a desenvolver este tipo de projectos?

AJD: Idealmente sim, mas vamos ver como é recebido este primeiro grande projecto que tenta ter uma dimensão mais global. É um projecto ambicioso e tudo depende de como foi aceite.

Entrevista: P. B./ Foto: António Falcão

Etiquetas: , , ,

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial

Em Macau: Em Lisboa:
www.flickr.com
This is a Flickr badge showing public photos and videos from BARBOSA BRIOSA. Make your own badge here.
Bookmark and Share