AMAR os mortos para poupar trabalho ao coração - Diz Pausânias no «Banquete» de Platão:
«Deveria promulgar-se uma lei que proibisse de amar os jovens, a fim de que não se dissipassem tantos cuidados num objecto incerto, uma vez que não se pode prever no que se tornará um jovem, e se ele virá a ser bom ou não, já do ponto de vista moral, já do ponto de vista físico.»
Interessante era ver aplicada esta lei: proibido amar quem ainda não é estável. O resultado seria, parece-me, o fim do amor – disse a senhora Woolf.
Portanto: amar sabendo que tudo muda, não há alternativa – continuou a senhora Woolf.
A outra alternativa é amar o moribundo um segundo antes da sua morte: aí sim ele é totalmente verdadeiro, não mudará. Fará, quando muito, as últimas confissões: roubos de que nunca falou a ninguém, vergonhas que escondeu toda a vida, afectos que disfarçou como pôde.
É ao moribundo que devemos dirigir os afectos amorosos se o nosso coração tem medo de amar o instável.
Ou então, ainda mais no extremo: amar os mortos, os que já não mudam. Aí sim, temos a certeza: se ele morreu amando e sendo amado por nós, assim se vai manter. É o mais resistente dos amores, aquele que se dirige aos que já não vivem. É também, claro, o mais inútil – disse a senhora Woolf.
A única hipótese - Claro que se pode olhar para o céu e contabilizar astros, claro que se pode estar à volta do fogo a recordar algo, claro que se podem contar histórias, claro que se pode discutir política e resolver, em teoria, o mundo inteiro e a forma dos povos se manterem lado a lado sem se matarem, claro ainda que se pode dormir, pintar um quadro, ou fazer milhares de outras coisas.
No entanto, escreve Pasolini, há noites «em que é absurdo fazer outra coisa além de amar.»
(Isto foi o que disse o senhor B.)
Doença - Ele está tão feliz que está triste – disse a senhora Woolf. - É o sintoma.
Gonçalo M. Tavares
«Deveria promulgar-se uma lei que proibisse de amar os jovens, a fim de que não se dissipassem tantos cuidados num objecto incerto, uma vez que não se pode prever no que se tornará um jovem, e se ele virá a ser bom ou não, já do ponto de vista moral, já do ponto de vista físico.»
Interessante era ver aplicada esta lei: proibido amar quem ainda não é estável. O resultado seria, parece-me, o fim do amor – disse a senhora Woolf.
Portanto: amar sabendo que tudo muda, não há alternativa – continuou a senhora Woolf.
A outra alternativa é amar o moribundo um segundo antes da sua morte: aí sim ele é totalmente verdadeiro, não mudará. Fará, quando muito, as últimas confissões: roubos de que nunca falou a ninguém, vergonhas que escondeu toda a vida, afectos que disfarçou como pôde.
É ao moribundo que devemos dirigir os afectos amorosos se o nosso coração tem medo de amar o instável.
Ou então, ainda mais no extremo: amar os mortos, os que já não mudam. Aí sim, temos a certeza: se ele morreu amando e sendo amado por nós, assim se vai manter. É o mais resistente dos amores, aquele que se dirige aos que já não vivem. É também, claro, o mais inútil – disse a senhora Woolf.
A única hipótese - Claro que se pode olhar para o céu e contabilizar astros, claro que se pode estar à volta do fogo a recordar algo, claro que se podem contar histórias, claro que se pode discutir política e resolver, em teoria, o mundo inteiro e a forma dos povos se manterem lado a lado sem se matarem, claro ainda que se pode dormir, pintar um quadro, ou fazer milhares de outras coisas.
No entanto, escreve Pasolini, há noites «em que é absurdo fazer outra coisa além de amar.»
(Isto foi o que disse o senhor B.)
Doença - Ele está tão feliz que está triste – disse a senhora Woolf. - É o sintoma.
Gonçalo M. Tavares
Etiquetas: Crónica
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