24.1.09

JOSÉ Manuel Rodrigues da Silva, editor do Jornal de Letras, um profissional com quatro décadas de profissão, acaba de morrer aos 69 anos, devorado por um cancro. Trabalhou quase até ao fim, na banca do jornal, e só quando a doença o impossibilitou por completo de se deslocar à redacção se viu forçado a desistir. Despediu-se do ofício – e da vida, afinal – com um texto pungente, publicado em 8 de Outubro no JL, que constitui simultaneamente um retrato assombroso do jornalismo português e do papel que cada um de nós nele desempenha, a partir do testemunho pessoal do autor.

“O jornalismo contém em si uma epistemológica contradição. Como historiadores do instante, os jornalistas fabricam a memória, mas, incapazes de reter a História do Jornalismo (que não é a mesma coisa que a História da Imprensa), fabricam em simultâneo o seu próprio esquecimento. Na avidez na notícia, vampirizam o presente, e o presente paga-lhes na mesma moeda: jornalista que deixe de escrever deixa de existir, para em breve nunca sequer ter existido. As stars jornalísticas do momento que se preparem: por muito que hoje andem nas bocas do mundo, um dia virá em que ninguém sabe quem são, em que ninguém sabe quem foram. Sei de dezenas de grandes jornalistas, a quem o jornalismo português muito deve, mas que hoje nem os próprios jornalistas sabem que existiram. (...) Dos dez jornais diários que se publicavam em Lisboa nesse remoto 30 Junho de 1968 em que me iniciei na profissão sobra um, e da meia dúzia de revistas então existentes, nem isso: foram-se todas. Não refiro isto por saudosismo, mas porque sei que nada, nem ninguém está seguro no jornalismo português actual. Mesmo quem pensa que está, provavelmente está-o bem menos do que julga.”

Palavras de Rodrigues da Silva, grande, talentoso e controverso jornalista que exerceu a profissão em periódicos como o Diário Popular e o Sete antes de ingressar no JL, título de culto de uma certa camada intelectual portuguesa. Palavras em que devemos meditar nesta sociedade do efémero, em que tudo nasce com a voracidade de uma chama e tudo se apaga com a rapidez de um sopro.

É um texto que apetece reler e guardar – nunca me lembro de encontrar nada tão lúcido sobre esta profissão que só merece ser desempenhada com um espírito de sacerdócio. Porque um jornalista digno desse nome não exerce da hora X à hora Y, como um funcionário administrativo: ou é sempre ou jamais é.

[Texto de Pedro Correia, Diário de Notícias]

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