14.12.08

Fonte inesgotável de histórias sobre Macau


Rêgo fez questão de ser fotografado com a sua empregada, que o ajudou na pesquisa para o livro.

AUTÊNTICA fonte de histórias sobre Macau e sobre os macaenses, José de Carvalho e Rêgo (Filho) acabou de completar 80 anos (nasceu em Novembro de 1928) e continua a ter uma grande vontade de viver, embora esteja imobilizado em casa e padeça de uma doença cardiovascular. Procura encarar o dia a dia “sem pessimismo ou desalento”. Quer agora fixar os seus vastos conhecimentos e memorias. Para isso, passou a recorrer “ao trabalho intelectual como modo de vida”, autopropondo-se a tarefa de contar por escrito o que fizeram e como foram os macaenses que mais se distinguiram no último século.
Dedicou o recentemente publicado “Macau – Figuras de Relevo do Passado” ao pai, amigo íntimo de figuras como Camilo Pessanha e conhecimento pessoal de quase todos os biografados. O livro resulta da sua recolha de histórias e factos sobre diversas personalidades que, frisa “nunca foram condecoradas ou relembradas, quer pelo Governo português, quer por este Governo”.
Carvalho e Rêgo é oriundo de uma família com longínquas raízes macaenses. O seu tio-bisavô, Lourenço Pereira Marques, era proprietário do jardim da Gruta de Camões e do palacete onde hoje funciona a Fundação Oriente (que, segundo defende, tomou posse do imóvel ilegitimamente). O escritos estudou em Macau, terminou o liceu em Lisboa e frequentou o curso de língua inglesa na Universidade de Hong Kong. Formou-se como professor e entrou na carreira de oficial de Finanças em Macau. Foi depois para Angola no início da década de 1970. Exerceu como professor de Língua Inglesa em Cabinda e Luanda, onde permaneceu quase duas décadas até 1989. “Não tenho razão de queixa dos angolanos, pelo contrario: sempre me trataram com muita consideração, embora a minha ideologia fosse muito diferente da deles”, recorda. Uma doença levou-o a regressar à terra natal, onde se tornou cronista de várias revistas e jornais da RAEM e de Portugal, tais como “O Clarim”, a “Gazeta Macaense”, “O Dia” e o “Macau Hoje”.
Num quarto decorado com a bandeira monárquica de Portugal e fotos de figuras como Salazar, D. Duarte de Bragança e do Rei Juan Carlos de Espanha, Rêgo desfia história atrás de história sobre as pessoas que povoam o seu livro e as suas memórias. E é como se tivesse participado nas histórias que narra.
São figuras que ele quer recuperar do esquecimento colectivo, como Vargas Moniz, “o maior médico que apareceu em Macau, cirurgião de grande competência, que no tempo do conflito entre a China e o Japão tanto curou guerrilheiros chineses, como até militares japoneses.
Entre muitas outras figuras que rememora, realça o papel de Leopoldo Danilo Barreiros, “que é que deu a importância devida do crioulo macaense. Quando os japoneses invadiram Hong Kong, Barreiros fez tudo para a salvar as obras do historiador e linguista Charles Boxer, de quem era amigo. Como tinha as chaves da casa do inglês, radicado em Hong Kong, partiu de Macau para lá e, com a ajuda de amigos, trouxe em malas mais de duas toneladas de obras dele. “Esse foi, para mim, o grande feito dele”, comenta o autor de “Figuras de Relevo do Passado”. “Como é que ele poderia escrever a obra sobre o Wenceslau de Moraes se não fosse isso?”
Aliás, a época da 2ª Guerra Mundial é pródiga em histórias que oscilam entre o pícaro e o trágico: “Havia espiões de um lado e de outro. Sentimo-nos em perigo, porque os japoneses queriam entrar, mas a diplomacia portuguesa e o facto do Brasil ter milhares de nipónicos pesaram muito. Por isso eles não invadiram e respeitaram Portugal. Lembro-me de vermos os aviões japoneses a voar a caminho de Hong Kong e de vislumbrarmos fumo vindo desses lados e pensarmos “começou a guerra”.

Fotos: António Falcão, Bloom

Relativamente aos políticos de Macau, Rêgo mostra-se um observador atento e critico. Elogia especialmente o “republicaníssimo” Governador Rodrigo Rodrigues, assim como o Marquês de Ficalho e Eduardo Brazão. Encómios que se estendem ao actual cônsul Pedro Moitinho de Almeida, que considera ter feito “uma obra de grande mérito”.
O escritor octogenário julga que o Macau de hoje “perdeu tudo o que é português”. “E não foi por culpa dos chineses, mas nossa. A preservação do pouco que resta deve-se mais aos chineses do que aos portugueses”. Na sua opinião, a transição podia ter sido feita de forma mais cuidada: “Hoje as repartições públicas estão uma desgraça, não há ninguém que saiba português, um português chega a Macau e parece que chega a um destino desconhecido. Podia-se ter feito mais em relação à língua portuguesa, à difusão dos produtos portugueses, à promoção turística e ao intercâmbio cultural. Vai-se à China e há vinho francês e de outras proveniências, mas não portugueses. Há falta de iniciativa.”
A falta de apoio à edição da obra por parte das instituições ligadas a Portugal gerou-lhe a amargura dos que se acham alvo de ingratidão. “Este livro foi publicado graças ao deputado Ao Kam San, que adiantou o dinheiro para se poder editar. Pedi auxílio à Casa de Portugal e à Fundação Oriente e só a Fundação Macau ajudou. Mesmo depois da publicação, nem um livro quiseram comprar. Acho que eles estão no seu direito para recusar compra ou ajuda, agora não devem ajudar uns e deixar de ajudar outros.”
Para além do livro que editou este ano, Carvalho e Rêgo publicou “Figuras Desportivas do Passado”, onde descreve a vida de desportistas que honraram o desporto de Macau e compilou os elementos que deram origem ao livro “Figuras d’outros tempos”, escrito pelo seu pai. Acha que “muitas pessoas que estiveram em Macau vão ler e gostar deste livro” e tem em preparação um novo livro com mais histórias de outras personalidades que marcaram esta terra.

Texto: PB, Hoje Macau de 12/12/08

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