"Não te concentres, não te disperses"
"LEVA a sério o mundo. Lembras-te da frase do general? 'Quando o inimigo concentra as suas forças, perde terreno. Quando as dispersa, perde força.' Eis nós no mundo, somos o inimigo: ou nos concentramos e perdemos mundo ou nos dispersamos e perdemos força.
Mas falemos de amor.
O Luís Baptista (que se vê na fotografia) foi fotografado no fim de uma relação amorosa. Na foto está a dormir junto à secretária no escritório.
São fotos que têm muitos anos.
De qualquer maneira, é um pouco isto: com a degradação de uma relação amorosa o espaço do mundo vai diminuindo até que o próprio corpo parece ocupar espaço a mais. No final do amor há corpo a mais, mesmo quando uma pessoa está sozinha.
No início, pelo contrário, o mundo inteiro é espaço ocupável, é casa. Depois, com a tensão, com os desacertos, a casa fica mundo, espaço desagradável, ofensivo, que ameaça. Fica espaço do inimigo, espaço onde o sobressalto se torna constante. E a insónia, por exemplo, nessas situações pode ser vista como resultado desse medo de adormecer num espaço no qual se perdeu a confiança. Quem me guardava é agora quem me ameaça. O amante passa de guardador a perturbador dos sonos.
Luís foi fugindo (ou sendo empurrado) dentro da própria casa. Primeiro, saiu do quarto. Depois nem a sala estava à distância suficiente. Acabou a dormir no escritório. Concentrado ganhava força e perdia mundo
Sob o trabalho, ou do objecto que o simbolizava, eis um belo retrato: foi assim que dormiu durante dias.(...)"
Gonçalo M. Tavares, crónica publicada na Visão de 24/4/08
Etiquetas: Crónica
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