16.2.08

a inscrição à entrada do mercado de Lagos:


"(...)VAI pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente ao mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o visível. E olha bem o branco, o puro branco, o branco de cal onde a luz cai a direito. Também ali, entre a cidade e a água, não encontrarás nenhuma sombra. Entra no mercado e virá à tua direita e ao terceiro homem que encontrarás em frente da terceira banca compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e cor-de-prata. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita eentão verás uma escada: sobe depressa e sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos e um ramo de salsa e hortelã. Mais adiante compra figos pretos: os figos não são pretos mas azuis e dentro são cor de rosa e de todos eles corre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão de sombra, no outro a mão de sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada. Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis, que é a tua oração em frente do grande Deus invisível."
Sophia de Mello Breyner

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1 Comentários:

Blogger Elypse disse...

Olá Paulo. Só hoje te descobri no novo espaço. Pareces estar mais produtivo. Vou fazer por ir compreendendo o jazz.

Abraço

2 de março de 2008 às 01:42  

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